sábado, 24 de dezembro de 2011

"Teremos perdido até a memória de nosso encontro...
Mas nos reencontraremos,
para nos separarmos e nos encontrarmos de novo,
Ali onde os mortos se reencontram: nos lábios dos vivos."
(Samuel Butler em A Intuição do Instante, de Gaston Bachelard, p. 15)

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

"O que mais admiro nos outros é a ironia,
a capacida­de de se verem de longe e não se levarem a sério;
de­pois disso, a coragem e a humildade —
desde que não haja ostentação delas."

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

"Aquele gosto amargo do teu corpo
Ficou na minha boca por mais tempo.
De amargo, então salgado ficou doce,
Assim que o teu cheiro forte e lento
Fez casa nos meus braços e ainda leve,
Forte, cego e tenso, fez saber
Que ainda era muito e muito pouco.

Faço nosso o meu segredo mais sincero
E desafio o instinto dissonante.
A insegurança não me ataca quando erro
E o teu momento passa a ser o meu instante.
E o teu medo de ter medo de ter medo
Não faz da minha força confusão.
Teu corpo é meu espelho e em ti navego
E eu sei que a tua correnteza não tem direção."

(em Daniel na Cova dos Leões)
Isso porque Renato Russo, Cazuza e outros poucos da nossa geração,
souberam verbalizar lindamente o que muitas vezes não conseguimos...
“Saudade é um pouco como fome. Só passa quando se come a presença. Mas às vezes a saudade é tão profunda que a presença é pouco: quer-se absorver a outra pessoa toda. Essa vontade de um ser o outro para uma unificação inteira é um dos sentimentos mais urgentes que se tem na vida." 

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

"Apesar da criação tradicional e do peso do medo, cresci livre por dentro, pois minhas leituras me emanciparam - e a liberdade, como descobri mais tarde, começa na cabeça, antes de chegar à expressão e às atitudes de uma pessoa."
(em Eu Matei Sherazade)

domingo, 18 de dezembro de 2011

DorAmor

"Nesse ambiente de amor onde dormes teu sono
Não sentes nem sequer o mais ligeiro espetro...
Mas, ah! eu vejo bem, sinistra, sobre o trono,
A Dor, a eterna Dor, agitando o seu cetro!"
(em Cruz e Souza: interpretações, p. 45)

sábado, 17 de dezembro de 2011

A Intuição do Instante

"O instante poético, portanto, é necessariamente complexo: ele comove, ele prova - convida, consola -, é espantoso e familiar. Essencialmente, o instante poético é a relação harmônica de dois contrários. No instante apaixonado do poeta, há sempre um pouco de razão; na recusa racional, resta sempre um pouco de paixão. As antíteses sucessivas agradam ao poeta. Mas, para o encantamento, para o êxtase, é preciso que as antíteses se contraiam em ambivalência. Surge então o instante poético..."
(em A Intuição do Instante, p. 94)

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Do que não se pode evitar

"Quando você sente saudade demais de uma pessoa,
então começa a vê-la nas outras,
em todos os lugares,
de costas, por um jeito de andar,
de sorrir ou virar a cabeça de lado."
"Não se pode contemplar sem paixão.
Quem contempla desapaixonadamente, não contempla."

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Deixa

Te quero exatamente assim:
sensato e muito louco
maduro e tão infantil.
Me deixa viver ao teu lado,
sendo o que sou e me despertando
a cada momento,
com toda a certeza de
não querer em vão.
Quero segurar teu rosto
com todo carinho,
olhar profundamente
e poder dizer sinceramente
EU TE AMO
sem me sentir com
medo
dividida
mentirosa
ou uma intrusa.

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

O momento em que o homem se revela
é o mesmo em que a mulher deve decidir se vai ou se fica.

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Do amor

As gotinhas de felicidade a que temos direito nessa vida, realmente estão nas pequenas coisas, nos gestos mais simples, nos olhares furtivos, no beijo em pé, no gosto compartilhado.
Na paixão (exceto quando ela é o início ardoroso do amor) elas não existem, pois que paixão cega, é obsecada e avassaladora. Desestabiliza, machuca, devasta... e não sobra nada...
No amor elas caem em profusao, se mostram em toda a sua forca, pois que vem da paz, do carinho, do aconchego, do duo-indivisível...
Quem já percebeu a sutil diferença entre a paixão que machuca e a que vira amor, sabe como é bom amar!
E são tantas as formas de amor!

(essa foi para todos vocês que me despertaram paixão
e que depois passei a amar,
como amigo, como companheiro, como uma parte boa da minha história!)

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Soneto a quatro mãos

"Tudo de amor que existe em mim foi dado.
Tudo que fala em mim de amor foi dito.
Do nada em mim o amor fez o infinito
Que por muito tornou-me escravizado.

Tão pródigo de amor fiquei coitado
Tão fácil para amar fiquei proscrito.
Cada voto que fiz ergueu-se em grito
Contra o meu próprio dar demasiado.

Tenho dado de amor mais que coubesse
Nesse meu pobre coração humano
Desse eterno amor meu antes não desse.

Pois se por tanto dar me fiz engano
Melhor fora que desse e recebesse
Para viver da vida o amor sem dano."

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Paradise



"When she was just a girl
She expected the world
But it flew away from her reach
And the bullets catch in her teeth..."

Tenho ouvido muita música ultimamente.... provavelmente graças ao elevado estado de espírito!
Essa, em particuar, não me sai da cabeça.... a sinfonia, o coro das crianças, tudo é muito intenso e nos remete ao divino...
A tudo aquilo que não conseguimos explicar e é bom!
A tudo o que está acima de nós, não podemos controlar e é bom... nos faz bem pela magia que circunda cada momento...
Não é mesmo, meu?!
Essa  também é pra ti!

domingo, 4 de dezembro de 2011

Roman

“Não sei quanto a vocês, mas amor pra mim ter que ter cheiro. Gosto.
E frases...
Não adianta dizer que um olhar vale mil palavras, que o silêncio diz tudo. Não, não e não.
Eu quero sentir, tocar, cheirar, provar, morder e ouvir. Ler.
Então, por favor, Diga.
Qualquer coisa que seja, qualquer frase, qualquer palavra perdida, fale.
Ou escreva.
Mas por favor, eternize.
Palavras foram criadas para fotografar o coração, então por favor, não poupe o mundo da sua essência.
Palavras são simples.
Precisas.
Lindas em sua pureza de ser dita.
Não precisa fazer pose. Deixe acontecer. Se a garganta der nó e a sílaba não sair, escreva. Caneta e lápis na mão, seja.
Mostre-se.
Eu não me apaixono por pessoas.
Eu me apaixono por frases.
Me alimento de palavras.
Verdades, incertezas, medos, doçuras e pequenas mentiras. Não importa.
Eu quero provar seus verbos. Seus sujeitos. Seus objetos. Eu quero te ler. Te sublinhar. Te copiar. Te re-ler.
Então, por favor, escreva-se. Inscreva-se. O que me encanta no mundo são letras, vogais, combinações inexatas entre o que quer dizer e o que se diz.
Não precisa dizer bonito. Muito menos escrever bonito. Palavra vira poesia quando dita com a alma. Por isso, solte-se. Rabisque-se. Eu não vou analisar suas palavras. Eu vou apenas senti-las…
Sentir você em cada letra escrita, em cada ponto, em cada frase desenhada. Por isso, permita-me. Eu não quero gramática, dicionário, frases de efeito, plágios descarados pra preencher vazio.
Eu quero você.
Você e suas palavras.
Você e sua letra torta.
Em qualquer frase, qualquer rima, qualquer asterisco no pé da página.
Mas que seja você.
Que brote do silêncio da sua alma bonita e se transforme em letras: palavras para eternizar a poesia que é seu coração!” 
(Fernanda Mello)

Cantada Perfeita

"Já amei mulheres de feições diversas,
por suas mais diversas qualidades,
mas nunca assim, com toda a minha alma,
pois sempre alguma sobra de defeito
pairava sobre a graça mais perfeita
e desfazia o meu encantamento;
mas você é tão bela e tão perfeita,
parece feita da pequena parte
de perfeição que há em cada criatura."

(trecho da peça A Tempestade, de Sheakespeare
- na minha opinião, um dos mais belos -
traduzido pelo poeta Geraldo Carneiro. Na Revista Lola desse mês, p. 170).

sábado, 3 de dezembro de 2011

Preciso de ti

"Preciso de alguém que tenha ouvidos para ouvir, porque são tantas histórias a contar. Que tenha boca para falar, porque são tantas histórias para ouvir, meu amor. E um grande silêncio desnecessário de palavras. Para ficar ao lado, cúmplice, dividindo o astral, o ritmo, a over, a libido, a percepção da terra, do ar, do fogo, da água, nesta saudável vontade insana de viver. Preciso de alguém que eu possa estender a mão devagar sobre a mesa para tocar a mão quente do outro lado e sentir uma resposta como – eu estou aqui, eu te toco também. Sou o bicho humano que habita a concha ao lado da concha que você habita, e da qual te salvo, meu amor, apenas porque te estendo a minha mão."

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

I could really use a whish right now

"Can we pretend that airplanes in the night sky are
like shooting stars
I could really use a wish right now,
a wish right now!"

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Presença

"É preciso que a saudade desenhe tuas linhas perfeitas,
teu perfil exato e que, apenas, levemente, o vento
das horas ponha um frêmito em teus cabelos...
É preciso que a tua ausência trescale
sutilmente, no ar, a trevo machucado,
as folhas de alecrim desde há muito guardadas
não se sabe por quem nalgum móvel antigo...
Mas é preciso, também, que seja como abrir uma janela
e respirar-te, azul e luminosa, no ar.
É preciso a saudade para eu sentir
como sinto - em mim - a presença misteriosa da vida...
Mas quando surges és tão outra e múltipla e imprevista
que nunca te pareces com o teu retrato...
E eu tenho de fechar meus olhos para ver-te."

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

A Viagem de Théo

" 'Ide tranquilamente entre o tumulto e a pressa e lembrai-vos da paz que pode existir no silêncio. Sem alienação, vivei tanto quanto possível em bons termos com todas as pessoas.
Dizei calma e claramente vossa verdade, e ouvi os outros, mesmo o pobre de espírito e o ignorante; eles tb têm sua história.
Evitai os indivíduos barulhentos e agressivos, eles são um insulto para o espírito.
Não vos compareis com ninguém: correríeis o risco de vos tornar vaidosos. Sempre há alguém maior e menor que vós.
Desfrutai vossos projetos assim como vossas realizações, sede sempre interessados em vossa carreira, por mais modesta que seja: é uma verdadeira posse nas prosperidades mutáveis do tempo. Sede prudentes em vossos negócios, porque o mundo está cheio de malícias.
Mas não sejais cegos no que concerne à virtude que existe: vários indivíduos buscam os grandes ideiais e em toda parte a vida é repleta de heroísmos.
Sede vós mesmos.
Sobretudo não simuleis a amizade!
Tampouco sede cínico no amor, porque em face de qualquer esterilidade e de qualquer desencanto ele é tão eterno quanto a relva.
Aceitai com bondade o conselho dos anos renunciando com graça a vossa juventude.
Fortalecei a prudência do espírito para vos proteger em caso de infortúnio repentino.
Mas não vos aborreçais com quimeras!
Numerosos temores nascem da fadiga e da solidão... Para lá de uma disciplina sadia, sede ternos convosco mesmos.
Sois filhos do universo, tanto quanto as árvores e as estrelas tendes o direito de estar aqui. E, percebais ou não, o universo se desenrola sem dúvida como deveria.
Estai em paz com Deus, quaquer que seja vossa concepção dele e, quaisquer que sejam vossas obras e vossos sonhos, guardai no desconcerto ruidoso da vida a paz em vossa alma. Com todas as suas perfídias, as suas tarefas fastidiosas e os seus sonhos desfeitos, o mundo é belo!
Prestai atenção: tratai de ser felizes.'
Encontrado numa velha igreja de Baltimore em 1962. Autor desconhecido."
(em A Viagem de Théo, p. 613)

Remexi nesse velho livro por conta da conversa sobre
religião, crença e fé com um grande amigo.
Acabei me deparando com esse belo trecho
assinalado por mim lá nos idos de 198...  e pedrinha... rs
Por isso, divido com vcs!

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Detalhes

(Michelle Pfeiffer e Michael Keaton protagonizando
uma das cenas mais sexies do gênero em Batman Returns)

"Homem é um bicho mal acostumado, desde os tempos da mamãe. Por culpa dela, ele se sente um pet [risos]! Não trate seu parceiro como um cachorrinho, a não ser aceitando as lambidas que ele lhe der [gargalhadas gostosas]."
(Deliciosa crônica de Eduardo Dussek - sim, aqueeele -
na revista Lola desse mês, p. 76-77)

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

"Passei toda a noite, sem dormir, vendo, sem espaço, a figura dela,
E vendo-a sempre de maneiras diferentes do que a encontro a ela.
Faço pensamentos com a recordação do que ela é quando me fala,
E em cada pensamento ela varia de acordo com a sua semelhança.
Amar é pensar.
E eu quase que me esqueço de sentir só de pensar nela.
Não sei bem o que quero, mesmo dela, e eu não penso senão nela.
Tenho uma grande distração animada.
Quando desejo encontrá-la
Quase que prefiro não encontrar,
Para não ter que a deixar depois.
Não sei bem o que quero, nem quero saber o que quero. Quero só
Pensar nela.
Não peço nada a ninguém, nem a ela, senão pensar."

(em Poemas Completos de Alberto Caeiro, p. 85)

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Desejo

"Gostaria de te desejar tantas coisas.
Mas nada seria suficiente.
Então, desejo apenas que você tenha muitos desejos.
Desejos grandes.
E que eles possam te mover a cada minuto,
ao rumo da sua felicidade!"

domingo, 6 de novembro de 2011

A Cor do Desejo por Ney Matogrosso


"A tua boca anda oca
Da minha língua
Da minha língua
A minha língua anda à mingua
Sem tua boca
Sem tua boca
Exatos são os teus olhos
Que invadem
E me revelam teu coração
Exata é a cor do teu deserto
A dor do teu deserto
Exatos são os teus beijos
Que me acertam
E a ti revelam meu coração
Exata é a cor do teu desejo
A dor do teu desejo.
(de Júnior Almeida)

Estou feliz!!!
Apesar de tudo, esse ano consegui realizar meus grandes sonhos com relação à MPB!
Assistir à Bethânia e ao Ney!
Ontem à noite fui ao show do Ney Matogrosso!
Inebriante!
Nunca vi um artista com a expressão corporal dele!!
E ainda é sedutor, carismático, cativante, sexy... um jeito de olhar que parece desnudar o outro. Penetrante. 
Sem falar naquela voz que rasga o peito da gente e dispensa comentários.
Amei!!!
A música acima eu confesso que desconhecia... mas interpretada por ele, foi de arrepiar!!!

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Amar

"Que pode uma criatura senão,
entre criaturas, amar?
amar e esquecer,
amar e malamar,
amar, desamar, amar?
sempre, e até de olhos vidrados, amar?

Que pode, pergunto, o ser amoroso,
sozinho, em rotação universal, senão
rodar também, e amar?
amar o que o mar traz à praia,
e o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,
é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?

Amar solenemente as palmas do deserto,
o que é entrega ou adoração expectante,
e amar o inóspito, o áspero,
um vaso sem flor, um chão de ferro,
e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e uma ave de rapina.

Este o nosso destino: amor sem conta,
distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão,
e na concha vazia do amor a procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor.

Amar a nossa falta mesma de amor, e na secura nossa
amar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita."

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Será que deslocamos os desejos não satisfeitos,
ou permanecem eles lá(tentes)?!
A espera... sempre.

A Divina Arte de Explicar a Arte

"Não são poucos os que dizem que compreender a arte é algo complexo e, por vezes, confuso e sem sentido. Talvez os que assim pensam têm em mente a arte contemporânea, questionável e polêmica por si mesma, mas certamente não conhecem o que há de mais claro e conciso em termos de apresentação da história da arte em televisão em nossos dias: os documentários produzidos pela BBC de Londres e apresentados por Wendy Beckett.
Beckett é uma estudiosa da história da arte e tornou-se famosa no mundo por meio da série de programas para a televisão que começam a ser veiculados em rede aberta no Brasil por meio, é claro, da rede de televisão educativa, aos domingos. Há algo de muito peculiar em Wendy Beckett: ela não é particularmente bonita (tem dentes pronunciados e usa pesados óculos) e foge a todos os padrões de beleza que uma emissora de televisão comercial no Brasil exigiria, por exemplo, para uma mulher de sua idade que comandasse um programa de televisão; tampouco é uma celebridade cuja fama repentina tenha motivado a BBC a investir em um programa de televisão qualquer que aproveitasse sua imagem carismática. Wendy Beckett foi convidada pelo canal de televisão britânico por conta de seu vasto conhecimento de história da arte, e sua qualidade como apresentadora é que a fez famosa mundo afora. Mas o mais peculiar de tudo isso é, talvez, o traço mais encantador desta mulher incomum: ela é uma freira sul-africana, residente do Reino Unido desde a década de 1970 e apresenta-se em suas aparições televisivas vestindo o tradicional hábito de irmã de caridade carmelita – o que significa dizer, em outras palavras, que ela é o que chamamos de uma freira contemplativa, ou seja, vive enclausurada em seu mosteiro, obtendo permissão para de lá sair apenas por ocasião de seus compromissos seculares, que são cada vez mais raros e que se resumiam, praticamente, à filmagem da série de documentários para a emissora de televisão britânica.
Assistindo-se a um de seus programas, ainda que com a dublagem brasileira (ótima, por sinal) a tirar um pouco do encantamento dos documentários, tem-se o que muitos consideram a mais clara, cristalina, didática explicação dos períodos da história da arte por ela analisados e das obras de arte mais significativas de cada um deles. Mas sua extraordinária habilidade para levar a arte universal ao público leigo é, em verdade, ainda mais fascinante por sua capacidade de explicar a arte em termos maravilhosamente humanos, sem tecnicismos desnecessários, sem pedantismo, sem a limitação de sua mensagem aos supostos conoisseurs de arte. Isso faz com que suas observações nunca sejam enfadonhas ou obscuras, conseguindo o mágico efeito de aprofundar as conexões entre o expectador e a obra de arte analisada de uma forma que, de tão simples, ganha ares de genialidade televisiva. No programa exibido em 02 de abril de 2006, pela TVE gaúcha, irmã Wendy mostrou os motivos pelos quais o barroco floresceu em Roma, a razão de ser do estilo de seus principais pintores e ressaltou a importância de nomes como Rubens e El Greco, que de algum modo surgiram fora do circuito romano das artes da época mas se alinharam com o arcabouço imaginativo daqueles artistas. E tudo isso de uma forma clara e precisa, lançando até mesmo luzes sobre temas periféricos para alguns grandes historiadores da arte – como, por exemplo, as diferenças estéticas da obra de um dos raríssimos exemplos de mulheres pintoras do barroco, Artemisia Gentileschi (1593 – 1652), para as obras de outros seus contemporâneos do sexo masculino (veja foto acima). E, acreditem, não parece haver temas que sejam tabu para a irmã Wendy Beckett.
Fica a impressão de que o claustro, por ela livremente escolhido, fez um bem enorme para a irmã Wendy Beckett, pois a afastou das discussões desnecessárias da academia – não que ela tenha fugido de uma formação acadêmica em história da arte; muito pelo contrário, seu amor pela arte fez com que ela recebesse uma autorização especial de sua superiora para cursar história da arte – e deixou sua mente livre para a clareza impressionante que demonstra em suas aparições televisivas.
Diferentemente de outros religiosos que têm invadido a mídia brasileira – de padres cantores a pastores sambistas -, a irmã Wendy Beckett, avessa a badalações e à mídia, retornou à paz de seu convento e ao convívio com suas irmão carmelitas no auge de sua, digamos, fama internacional. Antes de retirar-se definitivamente da vida secular, e durante o pequeno período de dez anos que durou seu compromisso com a BBC de Londres, Wendy Beckett produziu vinte e sete livros e dezessete documentários sobre história da arte, nos quais visita diversos museus do mundo e explica, in loco, a beleza e a genialidade por trás de algumas das mais grandiosas obras-primas da arte ocidental. Alguns poucos felizardos tiveram, também, a oportunidade de assistir ao vivo algumas de suas conferências em universidades britânicas e norte-americanas; hoje a freira retornou à vida de clausura em seu convento.
Depois de assistir o programa da irmã Wendy Beckett, perguntei-me porque as pessoas parecem procurar sempre o caminho mais difícil para explicar as questões do mundo, sobretudo quando o assunto é a arte. Lá do claustro do Convento de Notre Dame, em Londres, irmã Wendy Beckett, ora pro nobis."
(Disponível em: http://locutorio.blog.com/2006/04/03/a-divina-arte-de-explicar-a-arte/, acesso em 2.11.2011)

Há, no youtube, a quem interessar possa, vários episódios dos excelentes programas,
mas infelizmente apenas em inglês...

Casa de Brinquedos

"Chegamos, filho, é aqui.
Prepare-se, aqui você vai descobrir o vale encantado.
Vai chegar a caverna misteriosa.
Vai conhecer o estranho laboratório do cientista louco.
E eu queria lhe dizer uma coisa:
- Não esqueça filho, que uma rosa não é uma rosa,
Uma rosa é uma manhã, uma mulher, um grande amor.
Uma rosa é uma invenção sua.
O mundo é uma invenção sua.
Você lhe dá sentido, você o faz bonito,
Você o cola de coisas.
O brinquedo, o que é o brinquedo?
Duas ou três partes de plástico, de lata,
Uma matéria fria, sem alegria, sem história.
Mas não é isso, não é, filho?
Porque você lhe dá vida
Você faz ele voar, viajar...
Vamos filho, sabe que lugar é esse?
É um lugar de sonhos.
Uma casa de brinquedos.
Vamos entrar?"

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

O carrasco do acampamento

"Não me refiro aos monitores da molecada, que acordam às três horas da manhã já com um pique tamanho que só faltam fazer 160 abdominais e 210 flexões de braço enquanto constroem uma casa na árvore; nem àquele amigo do seu amigo que não tinha barraca, e você mui misericordiosamente abriu um espaço para ele na sua, mas o sujeito ronca, baba e tem chulé; ou àquele cara que acha que manja tudo de vida no campo, leva uma churrasqueira jumbo, empesteia o ar com a fumaça de lingüiça e deixa garrafas pet vazias pelo caminho.
O verdadeiro carrasco do acampamento é uma pessoa que, por trás das aparentes boas intenções para com seus semelhantes, guarda uma malvadeza, uma crueldade, um sadismo sem parâmetros. Mas ao contrário do carrasco da firma, figura diabólica que já conhecemos e que tem como campo de atuação tão somente a firma em si, o carrasco do acampamento não precisa necessariamente estar em um acampamento. Ele pode estar na praia, na serra, no sítio, na quadra do colégio, no churrasco de domingo e no aniversário de sua prima. E o pior: ele pode estar ao seu lado sem que você sequer desconfie.
Você bem que estranhou aquele incauto chegando com uma mala grande, pensou “nossa, o que será que ele carrega?”, mas deixou para lá. Afinal, não é da sua conta, certo? Errado. Pois a coisa começa a ser da sua conta quando o carrasco do acampamento (ou da praia, ou do sítio, ou do churrasco) finalmente revela sua verdadeira e terrível identidade.
Sim. O moço do violão.
E então antes que você consiga gritar “salvem-se todos!” e sair em disparada, o moço do violão saca de seu instrumento, senta-se se pernas cruzadas na relva, dá uma afinada (rápida, porque o violão meio desafinado faz parte do plano maligno), fecha os olhinhos, suspira profundamente, faz uma pausa estratégica e começa, a plenos pulmões... “É preciso amaaaaaaar as pessoas como se não houvesse amanhãããããã/ porque se você paraaaaaaar pra pensar/ na verdade não háááááá”. Daí você sabe que está condenado o resto do evento, do passeio ou da viagem, a ouvir grandes clássicos da música interpretados por um cidadão que parece ter acabado de comprar uma daquelas revistinhas “Aprenda a tocar violão”, com o Belchior na capa.
Por que você está condenado? Porque as pessoas que foram com você – e que ou dependem de sua carona, ou você depende da carona delas – estão agora todos em volta do moço do violão, como as vaquinhas e carneirinhos do presépio ao redor do Menino Jesus. Tal qual o flautista de Hamelin, aquele cuja melodia hipnotizava e atraía os ratos, o moço do violão hipnotiza e atrai diversos ouvintes.
E eles acabam ficando tão cúmplices que, como se não bastasse apenas um cantando mal, de repente são quinze cantando mal. Em coro. Tipo no fatídico momento de “Andança”. Enquanto o moço do violão entoa o refrão, o povo em volta faz o backing-vocal “Amoooor/ Amooooooor/ Me leva amooooor”. E finalmente, todos unidos: “Por onde for quero ser seu paaaaaaaaaaar”. Você alcança a cerveja mais próxima porque decide que sóbrio não vai dar para agüentar a empreitada. E quase tem ganas de atirar a latinha de alumínio vazia na cabeça do infeliz que grita, lá do meio, “Toca Rauuuuul!”. O moço do violão, fingindo ser uma alma caridosa, atende: “Eu sou a luz das estrelas/ Eu sou a cor do luar/ Eu sou as coisas da vida/ Eu sou o medo de amaaaaar”.
E você tem vontade de gritar “Você é um chato, isso sim!”, mas tem receio de parecer anti-social. Então, conformado com sua triste sina, você se senta junto ao rebanho ao som de “Eu vou ficaaaaaaaaaar ficar com certeza maluco beleeeeeeeza”. Uma hora o martírio vai terminar, é só tentar focar em outras coisas. Concentração, vamos. Pense em um bosque tranqüilo, uma bica de água fininha, bem ao longe...
Mas aí você é tragado novamente à perdição terrena quando o moço do violão começa baixinho “Um dia me disseram/ que as nuvens não eram de algodão/ Um dia me disseram que os ventos às vezes erram a direção” e você pensa sozinho com seus botões que quem errou de direção foi você, indo parar naquele programa de índio. De índio mesmo, porque agora inventaram de fazer uma fogueira para compor o cenário do moço do violão. Para o fogo de índio virar fogo de satanás é um pulinho – na verdade, o tempo exato para que um dos presentes apareça com uma gaita para acompanhar as músicas, surgindo assim mais uma figura do apocalipse.
Sim, o moço da gaita.
Ele entra nas músicas na hora errada, mas quem liga? Tá tudo tão paz e amor, bicho. Em seguida a dupla lapidada no mármore do purgatório, o moço do violão e o moço da gaita, engatam uma da Elis Regina. Mas o moço do violão só sabe metade da música. Não faz mal, começar pelo ápice é bacana, todo mundo sabe essa parte e canta juntinho.... “Já faz tempo eu vi você na rua, cabelo ao vento, gente jovem reunidaaaaaa/ Na parede da memória essa lembraaaaaaaaança é o quadro que dói mais/ Minha dor é perceber que apesar de termos feito tudotudotudotudo o que fizeeeeeemos/ Ainda somos os mesmos e vivemos como nossos paaaaaais”. Uma menina com cara de integrante do centro acadêmico da “Fefeleche” (faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP), saia indiana, sandália de couro e mochila peruana, acende o isqueiro e balança a chama ao vento.
Acha que acabou, malandro? Que nada! Chegou a vez dos hits internacionais! Começa com “Aaaaaai uana nooooooou/ revi iu ever sin de rein...”, emenda com um “Uldi iu nou mai neime/ Ifa só iu in réven”, segue com um “Uelcome tu de hotel Califóóóórnia/ satcha loveli pleice”, mantém o ritmo com “Noque noque noque on de révens dór”, continua com um “Na na na nananana nananana, rei jude” e terminando, obviamente, no auge, com qualquer uma do Bob Marley, de preferência “No Woman No Cry”, assim é possível fazer um medley com Gilberto Gil. Só então, finalmente exausto e rouco, lá pelas quatro da manhã, o moço do violão, sob palmas da platéia, abraça o moço da gaita como se fossem amigos de infância (acabaram de se conhecer, mas a música une as pessoas, né), bota seu instrumento de volta na mala e segue em direção ao luar.

(lembrei desse "conto" das irreverentes meninas
do já extinto blog Garotas que Dizem Ni
- cujas postagens, inclusive, transformaram-se
no delicioso livro É Impossível Comer um Só -
depois de ler o último post do Paulo.
É isso aí, Paulinho, continue "arrasando" no violão!!! rsrsrs
Não fiques chateado, sabes que eu te adoro, né?!
Mas foi irresistível! rsrsrs Beijos, querido!)

Mãos dadas


"Estou preso à vida e olho meus companheiros.
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considero a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas."


(não poderia deixar de postar algo da autoria de Carlos Drummond de Andrade no dia em que ele aniversaria! E esse é, sem dúvida, um de meus versos prediletos!)

domingo, 30 de outubro de 2011

Se beber, não dirija!

"O Rafael havia tirado o dia para se despedir dos colegas, porque iria passar um ano na Austráuco depois da meia-noite, deu carona para um deles, o Carlos. No meio do caminho, eles foram atingidos pelo carro do deputado estadual Carli Filho, que dirigia a 173Km/h. Segundo os policiais, ele tinha bebido quatro garrafas de vinho. O impacto da batida quebrou todos os ossos do meu filho, até os dedos, e o decapitou. Quando meu marido foi ao IML reconhecer o corpo, o funcionário disse: 'Não entre, pai. Trabalho aqui há quinze anos e nunca vi nada assim'. O deputado renunciou, mas continua dirigindo. Até hoje, não foi capaz de nos pedir desculpas." (Christiane Yared, 51 anos, de Curitiba).
(na Veja desta semana, p. 78)
"Ah, meu amor, não tenhas medo da carência:
Ela é o nosso destino maior.
O amor é tão mais fatal
do que eu havia pensado,
O amor é tão inerente quanto a
própria carência
E nós somos garantidos por uma necessidade
que se renovará continuamente.
O amor já está, está sempre.
Falta apenas o golpe da graça -
que se chama paixão."

Dito!

Não me pare.
Repare.
Encare.
Não estou aqui a passeio,
estou aqui por você.

sábado, 29 de outubro de 2011


"Ou a mulher é fria ou morde.
Sem dentada não há amor possível."

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

"A prostituta só enlouquece excepcionalmente.
A mulher honesta, sim, é que,
devorada pelos próprios escrúpulos,
está sempre no limite, na implacável fronteira."

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Nos bosques, perdido

"Nos bosques, perdido, cortei um ramo escuro
E aos lábios, sedento, levante seu sussurro:
era talvez a voz da chuva chorando,
um sino quebrado ou um coração partido.
Algo que de tão longe me parecia oculto gravemente,
coberto pela terra, um grito ensurdecido por imensos outonos,
pela entreaberta e úmida treva das folhas.
Porém ali, despertando dos sonhos do bosque,
o ramo de avelã cantou sob minha boca
E seu odor errante subiu para o meu entendimento
como se, repentinamente, estivessem me procurando
as raízes que abandonei, a terra perdida com minha infância,
e parei ferido pelo aroma errante.
Não o quero, amada.
Para que nada nos prenda para que não nos una nada.
Nem a palavra que perfumou tua boca
nem o que não disseram as palavras.
Nem a festa de amor que não tivemos
nem teus soluços junto à janela..."

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Piano bar

"Eu conheci uma guria que eu já conhecia
de outros carnavais, com outras fantasias.
Ela apareceu, parecia tão sozinha,
parecia que era minha aquela solidão."
(Engenheiros do Hawaii)

sábado, 22 de outubro de 2011

O que faz com que a tristeza e a melancolia
sejam tão mais inspiradoras e produtivas
do que a felicidade?!

Vambora

"Entre por essa porta agora
E diga que me adora
Você tem meia hora
Pra mudar a minha vida
Vem
Vambora
Que o que você demora
É o tempo que leva

Ainda tem o seu perfume pela casa
Ainda tem você na sala
Por que meu coração dispara
Quando tem o seu cheiro
Dentro de um livro
Dentro da noite
Veloz

Ainda tem o seu perfume pela casa
Ainda tem você na sala
Por que meu coração dispara
Quando tem o seu cheiro
Dentro de um livro
Na cinza das horas"
(Adriana Calcanhoto)

Beijo Bandido!

                  Ney Matogrosso, 05/11 em Florianópolis/SC
Depois do álbum e do show Inclassificáveis, aclamado pelo público e pela crítica especializada, Ney Matogrosso retorna com um novo trabalho, Beijo Bandido. Com direção musical e arranjos de Leandro Braga, “Beijo Bandido”, que arrebatou o Prêmio da APCA (Associação paulista de críticos de arte) de Melhor Show de Música Popular de 2009, mergulha em uma atmosfera de recital, quase camerística, quase um contraponto a sonoridade roqueira do projeto anterior.
O título, inspirado na letra de “Invento” (Vitor Ramil), dá o tom das intenções de Ney ao realizar um projeto no qual a criteriosa seleção de repertório é sublinhada por sua reconhecida excelência vocal como intérprete. “Inicialmente, achei que seria um disco de músicas românticas - depois de pronto, me dei conta de que se trata de um álbum pop de canções brasileiras”, conta Ney.
A banda que o acompanha é formada por Leandro Braga (piano), Lui Coimbra (cello e violão), Alexandre Casado (violino e bandolim) e Felipe Roseno (percussão). O quarteto reedita no palco a sonoridade acústica presente nas 14 faixas do CD homônimo. Os figurinos do cantor são assinados mais uma vez por Ocimar Versolato.
Ney Matogrosso trouxe para Beijo Bandido músicas que já pensava em cantar: “Já queria ter gravado “Medo de Amar” (Vinícius de Moraes), mas achava que era uma música feminina – e não é”, pontua. O mesmo se deu com “Bicho de sete cabeças” (Geraldo Azevedo/Zé Ramalho/Renato Rocha). Já a música “Cor do desejo” foi entregue a Ney em Maceió, durante a turnê de Inclassificáveis, por um de seus autores, Junior Almeida.
No repertório estão ainda pérolas do cancioneiro, como “Tango para Teresa” (Evaldo Gouveia/Jair Amorim), sucesso de Ângela Maria; “De cigarro em cigarro” (Luiz Bonfá) e “Segredo” (Herivelto Martins/Marino Pinto), ambas registradas anteriormente, em diferentes concepções musicais. Já a parceria de Chico Buarque e Edu Lobo, “A Bela e a Fera” (da trilha do balé “O Grande Circo Místico”); e “Nada por mim”, balada de Herbert Vianna e Paula Toller, ganham novos contornos. Na linha da MPB pop, o cantor foi buscar “Mulher sem razão”, de Cazuza, Dé e Bebel Gilberto.
Completam o programa algumas canções que fizeram parte de roteiros de shows antigos ou foram gravadas em formações distintas da atual, como “As Ilhas” (Piazolla/Geraldo Carneiro) e “Doce de Coco” (Hermínio Bello de Carvalho), “Invento” (Vitor Ramil) e “À distância”, sucesso de Roberto Carlos e Erasmo Carlos.

terça-feira, 18 de outubro de 2011

"Afinidade é a maior tecnologia a serviço do amor,
cruzando informações que realmente importam."

domingo, 16 de outubro de 2011

Aos meus mestres, com carinho

Canção para os Fonemas da Alegria
"Peço licença para algumas coisas.
Primeiramente para desfraldar
este canto de amor publicamente.

Sucede que só sei dizer amor
quando reparto o ramo azul de estrelas
que em meu peito floresce de menino.

Peço licença para soletrar,
no alfabeto do sol pernambucano,
a palavra ti-jo-lo, por exemplo.

e poder ver que dentro dela vivem
paredes, aconchegos e janelas,
e descobrir que todos os fonemas

são mágicos sinais que vão se abrindo
constelação de girassóis gerando
em cículos de amor que de repente
estalam como flor no chão da casa.

Às vezes nem há casa: é só o chão.
Mas sobre o chão quem reina agora é o homem
diferente, que acaba de nascer:

porque unindo pedaços de palavras
aos poucos vai unindo argila e orvalho,
tristeza e pão, cambão e beija-flor,

e acaba por unir a própria vida
no seu peito partida e repartida
quando afinal descobre um clarão

que o mundo é seu também, que o seu trabalho
não é a pena que paga por ser homem,
mas um modo de amar - e de ajudar

o mundo a ser melhor. Peço licença
para avisar que, ao gosto de Jesus,
este homem renascido é um homem novo:

ele atravessa os campos espalhando
a boa-nova, e chama os companheiros
a pelejar no limpo, fronte a fronte,

contra o bicho de quatrocentos anos,
mas cujo fel espesso não resiste
a quarenta horas de total ternura.

Peço licença para terminar
soletrando a canção de rebeldia
que existe nos fonemas da alegria:

canção de amor geral que eu vi crescer
nos olhos do homem que aprendeu a ler.

Santiago do Chile,
verão de 1964."

(em Faz Escuro mas eu Canto - porque a manhã vai chegar, p. 34)