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sexta-feira, 7 de outubro de 2011

"A dor é leal, não pede nada em troca.
Acordo e tenho a memória da casa,
não a casa,
a memória da mulher,
não a mulher.
Abandonar a si é coragem.
Abandonar o outro é covardia."
(em Como no céu/Casa de visitas, p. 99)

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

"Quando estamos sozinhos, somos pela metade.
Quando somos dois, somos um.
Quando deixamos de ser um dos dois,
não somos nem a metade que começamos a história"
(em O Amor Esquece de Começar)

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

"A embriaguez seguida de desmemória é uma armação. Desconfie. Queremos enlouquecer um dia, não manter a loucura durante a semana. Trata-se de uma doideira descartável, como seringa, camisinha, absorvente. Aprontamos e nos aprumamos rapidamente para seguir o trabalho e continar encarando o chefe. A onipotência não está em fazer, mas em fingir que ninguém viu e que não lembramos.
O esquecimento não é pra qualquer um. Tem que merecê-lo."

(em Mulher Perdigueira, p. 34).

sábado, 23 de abril de 2011

Vingança!

"A vingança encharca a literatura e a música, mas seus mistérios jamais serão esgotados.

Vingança é uma arte, o refinamento da carência. Quem procura se vingar do ex ou da ex, na verdade, não cansou de brigar. Não terminou de argumentar. Vingança é discutir o relacionamento sozinho, é discutir o relacionamento à distância, é dedicar o dia inteiro, às vezes a vida inteira, a arquitetar uma forma de chamar a atenção do amante que negou o ouvido.

O luto é destinado aos que amam amar. Vinga-se a pessoa que odeia amar, odeia continuar amando. É o encontro do mais extremo ódio com o mais extremo amor. A união de dois terrorismos.

Vinga-se aquele que acredita que deu mais do que recebeu e que se enxerga ludibriado. Aquele que, durante a relação, cobrava em segredo tudo o que oferecia, listava presentes e gestos. A vingança é o juízo final do avarento amoroso.

Indica também prepotência. O vingador se enxerga superior ao vingado, mais experiente e sábio. Acha que está ensinando seu antigo par. Encarna a figura de professor repreendendo o erro do aluno. Assim como não sofre em vão, somente se humilha para humilhar o outro. Todo sofrimento é arrogante, debitado na conta do desafeto.

O vingador cobiça a última palavra pois não aceita que alguém pense o pior dele. Planeja castigar as supostas distorções e intimidar as possíveis confissões de sua intimidade. O vingador vive por hipóteses. Não entendeu que a última palavra não existe, é uma desculpa para mandar.

A vingança é o mais paradoxal dos atos: um sentimento inteligente em mãos burras e desgovernadas; uma pressa que exige longa paciência e dissimulação. Requer as mais contraditórias atitudes: sangue frio de alguém com sangue quente; calar-se apesar da exagerada vontade de falar.

A vingança fracassa pela ânsia de fama do seu autor. Quem busca se vingar pretende que o outro saiba que foi ele, que não tenha nenhuma dúvida. Deseja dar o troco beijando a boca, olhando nos olhos. Conclui que não adianta nada uma vingança sem remetente. E peca pela ambição, erra ao se expor, porque a represália aguda e exitosa esconde o criminoso para a perfeição do crime; deve ser anônima, gerando a desconfiança, mas não entregando totalmente o seu mentor.

Não conheço vingança perfeita. Não se vingar talvez seja a melhor vingança. Fazer esperar uma resposta que nunca virá."

Amiga, lembrei de ti (inevitável)! Que tal "fazer esperar por uma resposta que nunca virá"?!

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

"Monotonia é ter um par que pense igual;
criatividade é receber o amparo do contraponto."

domingo, 6 de fevereiro de 2011

Esse gemido

"De repente minha mulher começa gemer ao comer queijo com goiabada. Corta devagarinho, em fatias mínimas, para não extraviar nada do prato.
Um gemido gostoso, intercalado, luzindo os dentes.
Um gemido que me faria gemer para que ele não terminasse.
Um gemido que domina os ouvidos por inteiro, ainda mais mobilizador que um sussurro.
Um gemido com pescoço esticado - se é que sou claro -, altivo, intermitente.
Um gemido discreto, de quem não quer entregar o prazer de uma só vez, que abafa o prazer para que ele aumente secretamente."

(em O Amor Esquece de Começar, p. 154)

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Colo

"Às vezes não perguntar é curar. Quando a mulher que ama chega em casa abalada e desconsolada, a primeira reação é questionar: "o que aconteceu?"
Mas não aconteceu nada que possa ser resumido, explicado, esclarecido.
Nâo ocorreu um acidente, um terremoto, uma notícia; as vítimas são apenas sentimentos desarrumados e confusos.
E diante da falta de resposta já se pressupõe uma traição, uma ofensa...
Não percebe que ela está precisando somente de seu silêncio. É tão difícil doar silêncio...
É isso que ela pede, algo mínimo, algo discreto, algo despretensioso: o silêncio da lealdade. A fé. A quietude da segurança.
Que não fale nada, que não julgue, que não duvide, pois ela está cansada de ser abreviada, atalhada, sentenciada, concluída.
Está farta de que falem por ela.
Está farta de lutar para se defender, para ser compreendida, de começar de novo, quem não fica?
Que a receba em seu colo e dedique horas a fio beijando-lhe os olhos, dando voltas nas quadras de seus cabelos, consolando-lhe a pele.
Que a sua curiosidade não estrague a comoção.
Não dê ouvidos para a tristeza, dê ouvidos para os barulhos da casa. Os barulhos da casa cicatrizam qualquer ferida.
Não chamar atenção para si é um modo de estar presente nessas horas.
Ao acordar, ela não perguntará nada. Devolverá a boca, agradecida. E o abraçará como se tivessem conversado a noite toda sobre os problemas.
Na verdade, conversaram sem a arrogância das palavras."

(em O Amor Esquece de Começar, p. 174-175).

sábado, 15 de janeiro de 2011

Imprevisível

"Que as suas lembranças não sejam o que ficou por dizer.
É preferível a coragem da mentira à covardia da verdade."

(em O Amor Esquece de Começar, p. 198)

sábado, 4 de dezembro de 2010

"Reprimido não é o que não confessa seu passado,
é o que não consegue expor suas fantasias."

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Divisão de tarefas

"Se a mulher armou o barraco,
pode ter certeza que
foi o homem quem trouxe a favela!"

(hoje eu to engraçadinha, mas o Carpinejar mata a pau, né?! rsrsrs)

domingo, 28 de novembro de 2010

Cartas de amor

"as cartas de amor deveriam ser fechadas com a língua. beijadas antes de ser enviadas. sopradas. respiradas. o esforço do pulmão capturado pelo envelope, a letra tremendo como uma pálpebra. não a cola isenta, neutra, mas a espuma, a gentileza, a gripe, o contágio. porque a saliva acalma um machucado. as cartas de amor deveriam ser abertas com os dentes"
(em Livro de Visitas)

Por favor

"Quero te conhecer menos, mexer menos em teus objetos, em tuas gavetas, em tuas roupas.
Que seja dispensado das cartas, do que levas na bolsa, de teus filmes prediletos, de teus diários, de teus pentes, de tuas jóias em estojo de diploma, de teu escapulário da primeira comunhão, de teus blusões em fila dupla, de teus varais com as roupas ao avesso, de tuas superstições de consultar as portas de noite, de tua fobia em atender telefone, de tua ânsia em me contar as novidades, de tua loucura em me aguentar, de tua sabedoria em me acalmar, de tua facilidade em se dividir com as amigas, de tua coleção de brincos quebrados, dos álbuns de fotografias em ordem cronológica, dos clipes emendados uns nos outros no computador, dos bilhetes amarelos na geladeira, de tua compulsão em comprar presentes, de tua mania de consultar o horóscopo, dos teus quindins, de tua mania em dormir enroscada, de salgar a comida um pouco mais do que se deveria.
Não me mande mais nada. Não me dê lembranças, músicas, poemas, sapatos, isqueiros, não quero juntar esmolas de tuas coisas, não quero fazer um santuário de tuas coisas, não quero encaixotar tuas coisas, não quero peregrinar as mãos em tuas coisas como se fosse tua mão esperando na mesa.
Minha mão ossuda depende de tua pele para respirar folgas.
Tiras proveito da consciência que vou formando de ti enquanto me desinformo do mundo.
Não desejo descobrir o que tocaste senão amarei muito mais do que se tivesse tocado.
Não me fales "gosto daquilo" que já estarei gostando junto. Evite comentários.
Não me digas "vamos naquele restaurante" que será mais um lugar para te esperar.
Não inventes deitar na grama no domingo que o sol grudará nos dentes.
Não narres aos ouvidos da cama o que podemos sentir.
Não ponhas trilha no celular, não troques as almofadas, não escolhas as toalhas e os lençóis, controla essa mania de se espalhar por tudo, de botar teu cheiro por dentro de minha boca.
Não abras mais o leite sem romper o lacre, não deixes a gaveta entreaberta, a torneira entreaberta, meu corpo entreaberto.
Não reclames do que não fiz, que farei de novo para chamar tua atenção.
Não arrumes minha gravata, que me acostumarei a pedir conselhos.
Não arrumes minha gola que o vento é mesmo enviesado.
Quero te conhecer menos para não sofrer depois tanto tua perda.
Mas deveria ter dito isso antes."

(em O Amor Esquece de Começar, p. 138-139)

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

"Alguém dentro de mim
mente para me proteger.
Não sei quem tem razão
sobre meus desastres.
Se permaneci em excesso
e não varei a outra margem.
Se me deixei fora por muito tempo
e esqueci o endereço."
(em Livro de Visitas, p. 94)

terça-feira, 19 de outubro de 2010

"Se o homem diz que a garota é de uma beleza exótica, o contexto não é desesperador; nem por isso menos tenso. Beleza exótica, na gíria masculina, talvez renda um caso. É o jeito de ele falar da sensualidade dela, de destacar a volúpia. Não ficou vidrado nos traços ou na aparência, e sim na imposição do temperamento. Beleza exótica é um elogio à inteligência, à conversa, ao inusitado. A mulher não é bonita, porém se torna bonita (são as mais perigosas)." (em O Amor Esquece de Começar, p. 39).

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Sem calcinha

"A mulher tem uma manha terrível, um ardil implacável de sedução. Qualquer macho sucumbe. Qualquer. Pode ser um diplomata, um gari, um doutor pela Sorbonne XXXV, um eletricista. Não foi criado um sistema de proteção; ainda somos presas fáceis.
É quando ela sussurra no ouvido que está sem calcinha. Mesmo que seja uma mentira, funciona. O sujeito engasga, extravia a linha de raciocínio, logo baba, perde a língua em ataque epiléptico. Experimentará um transe messiânico, tonteado com a revelação. Trata-se de um convite? Quem diz que não é maldade?
Toda mulher fala que está sem calcinha rindo, o que irrita sua vítima. O barbado buscará se certificar, espiando os joelhos, reparando nas dobras, com os olhos vidrados de um tarado. Não acreditará no milagre. Cometerá uma gafe, um escorregão, derrubará a cerveja na roupa, tropeçará no cadarço, praticará algo idiota como encará-la para avisar que irá ao banheiro. E voltará do banheiro duas vezes idiota porque ela sequer se levantou da cadeira.
É uma confidência imbatível que somente as mulheres têm direito. Se o homem declara que está sem cueca vai sugerir – no máximo – que é um porco. Não será nem um pouco excitante.
Mas, após décadas de experimento, desvendei uma estratégia masculina de efeito semelhante. Não faço churrasco, nunca convidei amigos para uma carne no final de semana. Meu pai se separou cedo da mãe e não me transmitiu o legado e a arte do sal grosso. Azar, não há churrasqueira que não sirva de lareira.
O que não abro mão é de comprar o saco de carvão no mercado. Nenhuma fêmea resiste a um homem carregando um saco de carvão. Com os dedos sujos de graxa. Apanhando a argola de papel com desleixo. Como se não fosse pesado.
Num único lance promocional, é oferecer as fantasias eróticas de mecânico e de peão. É mais imbatível do que escolher carne no açougue. Mais imbatível do que recusar a carne no açougue (a maior parte dos clientes discorda do açougueiro para se exibir ao mulherio).
Atravessar os corredores de laticínios e refrigerantes com um saco de carvão representa a suprema glória viril. Supera o óleo nos bíceps dos halterofilistas. É reconquistar o fogo. É se fardar completamente ao sexo.
Não precisa ser musculoso, apenas desalinhado. A cena depende de preciosos detalhes. Suje a calça na hora de pagar e não dê bola para mancha, provando que estaria disposto a rolar num barranco. Largue o pacote na esteira com um estrondo, para impor passionalidade. E pague com um maço bêbado de notas, retirado do bolso da frente. Não tire a carteira sob hipótese nenhuma, que seria uma atitude educada e fria.
Todo domingo, repito esse ato sagrado. Tenho um estoque de sacos no porão. É meu jeito de estar sem calcinha."

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

"Sou homem do durante. Do meio. Do decorrer. Nada contra quem pensa o contrário, mas é um pouco de soberba inaugurar ou fechar o mundo.
Quando se ama uma mulher, é preciso a safadeza, a vontade sem pudor, o desejo diabólico, a tara. Não se conter, não se represar. A ânsia, a violência e a obsessão são permitidas. Mas tudo será grosseria desacompanhada da pureza.
Pureza é autenticidade. Não fingir, não disfarçar, não dizer o que não está sentindo. Já ouvi muito que sexo não é seguir a cabeça e deixar as coisas aconteceram. Sexo seria não pensar. Não concordo, sexo não é inconseqüência, é conseqüência da gentileza. Conseqüência de ouvir o sussurro, de ser educado com o sussurro e permanecer sussurrando. Perder o pudor, não perder o respeito. Perder a timidez, não perder o cuidado.
Sexo é pensar, como que não? E fazer o corpo entender a pronúncia mais do que compreender a palavra. Como se não houvesse outra chance de ser feliz. Não a derradeira chance, e sim a chance.
Uma mulher está sempre iniciando o seu corpo. Toda a noite é um outro início. Toda a noite é um outro homem ainda que seja o mesmo. Não se transa com uma mulher pela repetição. Seu prazer não está aprendendo a ler. Seu prazer escreve – e nem sempre num idioma conhecido.
Ela pode ficar excitada com uma frase. Não é colocando de repente a mão na coxa. Ela pode ficar excitada com uma música ou com uma expressão do rosto. Não é colocando a mão na sua blusa. Mulher é hesitação, é véspera, é apuro do ouvido.
Antever que aquelas costas evoluem nas mãos como um giz de cera. Reparar que a boca incha com os beijos, que o pescoço não tem linha divisória com os seios, que a cintura é uma escada em espiral.
É comum o homem, ao encontrar sua satisfação, recorrer a uma fórmula. Depois de sucesso na intimidade, acredita que toda mulher terá igual cartografia, igual trepidação. Se mordiscar os mamilos deu certo com uma, lá vai ele tentar de novo no futuro. Se brincou de chamá-la de puta, repete a fantasia interminavelmente. Assim o homem não vê a mulher, vê as mulheres e escurece a nudez junto do quarto.
Amar não é uma regra, e sim onde a regra se quebra.
Não se come uma mulher, ela é que se devora."

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

O sexo é bom, mas depois não há conversa... ou... O sexo é ruim, mas a conversa é boa.

"A relação vai bem na cama, mas no momento de olhar para o teto fica-se com vontade de sair dali e ser astronauta. Nenhum dos dois fala. Ambos tartamudeiam. A química da pele queima, só que a boca não funciona para outra coisa a não ser beijar. Como se portar? Tirar proveito do humor, brincar, atiçar papéis. Procure descobrir o que ela curte, solte curiosidades, confesse suas taras. Ousadia é melhor do que omissão, não importa a dosagem. Ninguém pede desculpa pela ousadia, mas é possível se arrepender pela falta dela. Em primeiro lugar, não deixe o silêncio tragar o casal. Fale do incômodo do próprio silêncio, se for o caso, para interceptá-lo. Está provado, mulheres gostam de homens divertidos. Rir já é voltar a transar. Fazer sexo é também conversar. O sexo não acontece somente no quarto. Inicia-se antes, no jantar, no cinema, nos olhares prolongados, nas mãos dadas, no jeito de contornar o rosto e o pescoço. A véspera determina a umidade. O homem também tem receio de ser enganado com o orgasmo. Um orgasmo fingido é o que mais o abala.
De que modo definir se ela está gozando? Pelo ritmo. O que é contido, sincopado, fica desgovernado ao final. Uma mulher se expulsa na hora H. Ou melhor, na hora M. Ela se derrama e a cama é escassa para recebê-la. Uma mulher quando finge continua segurando as rédeas. Uma mulher quando goza deixa ser levada pelo animal do instinto. Mas não questione nada. Se desconfiar que ela não teve arrebatamento, recomece em vez de perguntar. O orgasmo aumenta com a soma de vacilações e dificuldades. Uma mulher que demora mais para atingir o prazer será justamente a que terá maior prazer depois."

domingo, 20 de junho de 2010

Leitura do finde

Numa sorvida só! Vale cada gota!

Uma provinha:

Quero uma mulher perdigueira

Meus amigos reclamam quando suas namoradas os perseguem. Lamentam o barraco do ciúme, a insistência dos telefonemas para falarem praticamente nada, o cerceamento dos horários.
Sempre as mesmas tramas de tolhimento da liberdade, que todos concordam e soltam gargalhadas buscando um refúgio para respirar.
Eu me faço de surdo.
Fico com vontade de pedir emprestada a chave da prisão para passar o domingo. Acho o controle comovente. Invejável.
Não sou favorável à indiferença, à independência, ao casamento sartreano. Fui criado para fazer um puxadinho, agregar família, reunir dissidentes, explodir em verdades. Duas casas diferentes já é viagem, não me serve.
Aspiro ao casamento pirandelliano, um á procura permanente do outro. Sou um totalitário da paixão. Um tirano. Um ditador. Não me dê poder que escravizo. Não me dê espaço que cultivo. Não me eleja democraticamente que mudo a constituição e emendo os mandatos.
Quero uma mulher perdigueira, possessiva, que me ligue a cada quinze minutos para contar uma idéia ou uma nova invenção para salvar as finanças, quero uma mulher que ame meus amigos e odiei qualquer amiga que se aproxime. Que arda de ciúme imaginário para prevenir o que nem aconteceu. Que seja escandalosa na briga e me amaldiçoe se abandoná-la. Que faça trabalhos em terreiro para me assustar e me banhe de noite com o sal grosso de usa nudez. Que feche meu corpo quando sair de casa, que descosture meu corpo quando voltar. Que brigue pelo meu excesso de compromissos, que me fale barbaridades sob pressão e ternuras delicadíssimas ao despertar. Que peça desculpa depois do desespero e me beije chorando.A mulher que ninguém quer eu quero. Contraditória, incoerente, descabida. Que me envergonhe para respeitá-la. Que me reconheça para nos fortalecer.
A mulher que não sabe amar recuando e não tolera que eu ame atrasado. Que parcele em dez vezes seu dia, que não pague a conversa à vista na hora do jantar, que não junte suas notícias para contar de noite como um relatório. Admiro os bocados, as porções, as ninharias. Alegria pequena e preciosa de respirar rente ao seu nariz e definir com que roupa vou ao serviço.
O amor é uma comissão de inquérito, é abrir as contas, é grampear o telefone, cheirar as camisas. É também o perdão, não conseguir dormir sem fazer as pazes.
O amor é cobrança, dor de cotovelo, não aceitar uma vida pela metade, não confundi-la com segurança. Exigir mais vontade quando ela se ofereceu inteira. Enlouquecê-la para pentear seus cabelos antes do vento. Enervá-la para que diga que não a entende. E entender menos e precisar mais.
Quem aspira ao conforto que se conserve solteiro. Eu me entrego para dependência. Não há nada mais agradável do que misturar os defeitos com as virtudes e perder as contas na partilha.
Não há nada mais valioso do que trabalhar integralmente para uma história. Não raciocinar outra coisa senão cortejá-la: avisá-la para espiar a lua cheia, recordar do varal quando começa a chover, decorar uma música para surpreendê-la, sublinhar uma frase para guardá-la.
Sou doido, mas doido varrido. Bem limpo. Aprendi a usar furadeira e agora entro fácil em parafuso. Quero uma mulher imatura, que possa adoecer e se recuperar do meu lado. Uma mulher que me provoque quando não estou a fim. Que dance em minhas costas para me reconciliar com o passado. Que me acalme quando estou no fim do filtro. Que me emagreça de ofensas.
Não me interessa um tempo comigo quando posso dividir a eternidade com alguém.
Quero uma mulher que esqueça o nome de seu pai e de sua mãe para nascer em meus olhos. Em todo momento. A toda hora. Incansavelmente. E que eu esteja apaixonado para nunca desmerecê-la, que esteja apaixonado para não diminuí-la aos amigos. (Fabrício Carpinejar)

quinta-feira, 29 de abril de 2010

Quanto cavalheirismo!

"Sou educado, deixo que ela passe rímel antes de magoá-la, senão o choro não tem graça."
(Carpinejar)

domingo, 11 de abril de 2010

Despretensiosa blusa azul - por Carpinejar

"A mulher não decide tudo de uma vez, mas nunca deixa de decidir.
Segue a vida por capítulos. Acompanhar seu raciocínio é entender que o dia de hoje será completado amanhã. Atende outro calendário, talvez o dos maias ou dos incas. Não arrisque bebê-la de um gole. Muito menos lento demais.
Não é como o homem que toma atitudes definitivas a cada manhã para sofrer em seguida e remoer o orgulho em silêncio. Ele não pretende justificar suas escolhas. A mulher não cansa de explicar para desvendar novos motivos.
Eu sei como minha namorada funciona. Uma simples compra de uma blusa azul não é simples. Não comprou porque desejava, e sim porque estava nervosa, ansiosa, excitada com o excesso de trabalho. É, da alma feminina, encontrar um pretexto para a compra. Ainda não escutei de nenhuma amiga que levou por levar.
Além das sacolas, carrega a culpa de sua beleza. Precisa revestir o ato de uma nobreza maior, orná-los de um sentido existencial e messiânico. Declara-se vítima duma vontade indomável, dum contexto irreversível. Será uma reunião importante, uma apresentação difícil ou até uma dívida. Compreenda, a mulher é a única que se cura das dívidas gerando mais dívidas.
O consumismo não é objetivo como na visão viril, é terapêutico pelas gentilezas envolvidas, haverá uma atendente passando a roupa por cima do provador e elogiando suas medidas.
Toda mulher bem que tentará achar algo que demore muito para estragar. Como se a duração compensasse o investimento. Cobiça uma roupa que possa usar inúmeras estações. Mas é apenas uma justificativa para seguir com a compra, pois ela irá adquirir do mesmo jeito, sendo uma extravagância ou uma urgência básica. Herdou da mãe a fascinação pelos artigos duráveis e sofisticou o raciocínio a seu favor. Entra na história a questão da marca. Optará por um produto mais caro, com a alegação de que não envelhece. Sua teoria desembocará, em alguma hora, na relação custo-benefício, acrescida de evocação pessoal.
- Lembra daquela minha calça preta, que levanta a bunda e você adora?
Não adianta inovar. É só uma resposta para permanecer junto.
- Sim, eu lembro.
Ela se enche de autoridade:
- É dessa grife, tenho há cinco anos, dura até hoje.
Refere-se a um argumento implacável. A malandragem é empregar uma preocupação antiga e tradicional, uma missão familiar de economia repassada de geração a geração, para acessórios dispensáveis. Complicado definir o que é essencial, é do feitio da mulher julgar nada dispensável, por isso o homem ainda permanece vivo.
Eu falei que sei como Cínthya funciona. Ela, portanto, comprou uma belíssima blusa azul. Não pegou para completar um conjunto em casa. Bendita ilusão. Foi o primeiro degrau de várias escadas rolantes.
Amornou o assunto por uma semana quando acordou de repente afirmando que não existia modo de vesti-la sem um scarpin da mesma cor. Lamentava o desperdício, o tecido parado no armário. Antes ela julgava uma loucura comprar uma blusa azul, agora loucura era não comprar seu complemento. Da falta de necessidade, criava necessidades. Bingo, é o maior golpe de estado armado para cima de mim.
Eu absolutamente não sei como minha namorada desliga. Nem faço questão."