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quarta-feira, 2 de junho de 2010

O Fetiche da Quantidade

A produção científica exigida da minha mãe, uma mulher de 64 anos, ativa, inteligente, experiente, doutora, formadora de opinião (e de outros tantos intelectuais país afora), é definitivamente absurda! Foi uma coisa que me angustiou demais nos últimos quatro dias que passei com ela, tentando ajudar no que me era possível.
Lendo alguns antigos Cadernos Mais! da FSP (que amo, mas aqui nas Lages infelizmente só é distribuída por uma única banca de revista!), me deparei com esse artigo, que expressa com exatidão o que penso sobre o assunto. Vasculhando a internet, encontrei-o em um blog.
Ei-lo:

"O Fetiche da Quantidade
Metas de produtividade e burocracia acadêmica diminuem o potencial de pesquisas científicas. A criação de conhecimento não pode ser medida somente pelo número de trabalhos escritos pelos pesquisadores, como é a tendência atual no Brasil.
A cada tanto tempo, volta-se a discutir como deve ser avaliado o trabalho dos professores. O grande número de pessoas envolvidas nos diversos níveis de ensino, assim como o de artigos e livros que materializam resultados de pesquisa, tem determinado uma preferência por medidas quantitativas.
Se estas podem trazer informações úteis como dado parcial para comparar resultados de escolas em vestibulares ou o desempenho médio de alunos em determinada matéria, sua aplicação como único critério de "produtividade" na pós-graduação vem gerando -a meu ver, pelo menos - distorções bastante sérias.
Não é meu intuito recusar, em princípio, a avaliação externa, que considero útil e necessária. Gostaria apenas de lembrar que a criação de conhecimento não pode ser medida somente pelo número de trabalhos escritos pelos pesquisadores, como é a tendência atual no Brasil. Tampouco me parece correta a fetichização da forma "artigo em revista" em detrimento de textos de maior fôlego, para cuja elaboração, às vezes, são necessários anos de trabalho paciente.
A mesma concepção tem conduzido ao encurtamento dos prazos para a defesa de dissertações e teses na área de humanas, com o que se torna difícil que exibam a qualidade de muitas das realizadas com mais vagar, que (também) por isso se tornaram referência nos campos respectivos.
O equívoco desse conjunto de posturas tornou-se, mais uma vez, sensível para mim ao ler dois livros que narram grandes aventuras do intelecto: "O Último Teorema de Fermat", de Simon Singh (ed. Record), e "O Homem Que Amava a China", de Simon Winchester (Companhia das Letras).
O leitor talvez objete que não se podem comparar as realizações de que tratam com o trabalho de pesquisadores iniciantes; lembro, porém, que os autores delas também começaram modestamente e que, se lhes tivessem sido impostas as condições que critico, provavelmente não teriam podido desenvolver as capacidades que lhes permitiram chegar até onde chegaram.

Everest da matemática
O teorema de Fermat desafiou os matemáticos por mais de três séculos, até ser demonstrado em 1994 pelo britânico Andrew Wiles. O livro de Singh narra a história do problema, cujo fascínio consiste em ser compreensível para qualquer ginasiano e, ao mesmo tempo, ter uma solução extremamente complexa. Em resumo, trata-se de uma variante do teorema de Pitágoras: "Em todo triângulo retângulo, a soma do quadrado dos catetos é igual ao quadrado da hipotenusa", ou, em linguagem matemática, a2²=b2²+c2².
Lendo sobre esta expressão na "Aritmética" de Diofante (século 3º), o francês Pierre de Fermat (1601-65) -cuja especialidade era a teoria dos números e que, junto com Pascal, determinou as leis da probabilidade- teve a curiosidade de saber se a relação valia para outras potências: x3³= y3³ + z3, x4 = y4 + z4 e assim por diante. Não conseguindo encontrar nenhum trio de números que satisfizesse as condições da equação, formulou o teorema que acabou levando seu nome -"Não existem soluções inteiras para ela, se o valor de n for maior que 2"- e anotou na página do livro: "Encontrei uma demonstração maravilhosa para esta proposição, mas esta margem é estreita demais para que eu a possa escrever aqui".
Após a morte de Fermat, seu filho publicou uma edição da obra grega com as observações do pai. Como o problema parecia simples, os matemáticos lançaram-se à tarefa de o resolver -e descobriram que era muitíssimo complicado.
Singh conta como inúmeros deles fracassaram ao longo dos 300 anos seguintes; os avanços foram lentíssimos, um conseguindo provar que o teorema era válido para a potência 3, outro (cem anos depois) para 5 etc. O enigma resistia a todas as tentativas de demonstração e acabou sendo conhecido como "o monte Everest da matemática". É quase certo que Fermat se equivocou ao pensar que dispunha da prova, que exige conceitos e técnicas muito mais complexos que os disponíveis na sua época.
Quem a descobriu foi Andrew Wiles, e a história de como o fez é um forte argumento a favor da posição que defendo. O professor de Princeton [universidade americana] precisou de sete anos de cálculos e teve de criar pontes entre ramos inteiramente diferentes da disciplina, numa epopeia intelectual que Singh descreve com grande habilidade e clareza. Não é o caso de descrever aqui os passos que o levaram à vitória; quero ressaltar somente que, não tendo de apresentar projetos nem relatórios, publicando pouquíssimo durante sete anos e se retirando do "circuito interminável de reuniões científicas", Wiles pôde concentrar-se com exclusividade no que estava fazendo.
Por exemplo, passou um ano inteiro revisando tudo o que já se tentara desde o século 18 e outro tanto para dominar certas ferramentas matemáticas com as quais tinha pouca familiaridade, mas indispensáveis para a estratégia que decidiu seguir. Questionado por Singh sobre seu método de trabalho, Wiles respondeu: "É necessário ter concentração total. Depois, você para. Então parece ocorrer uma espécie de relaxamento, durante o qual, aparentemente, o inconsciente assume o controle. É aí que surgem as ideias novas".
Este processo é bem conhecido e costumo recomendá-lo a meus orientandos: absorver o máximo de informações e deixá-las "flutuar" até que apareça algum padrão, ou uma ligação entre coisas que aparentemente nada têm a ver uma com a outra. Uma variante da livre associação, em suma.
Ora, se está correndo contra o relógio, como o estudante pode se permitir isso? A chance de ter o "estalo de Vieira" é reduzida; o mais provável é que se conforme com as ideias já estabelecidas, o que obviamente diminui o potencial de inovação do seu trabalho.

Tarefa hercúlea
Outro exemplo de que o tempo de gestação de uma obra precisa ser respeitado é o de Joseph Needham (1900-95), cuja vida extraordinária ficamos conhecendo em "O Homem Que Amava a China".
Bioquímico de formação, apaixonou-se por uma estudante chinesa que fora a Cambridge [no Reino Unido] para se aperfeiçoar; ela lhe ensinou a língua e, à medida que se aprofundava no estudo da cultura chinesa, Needham foi se tomando de admiração pelas suas realizações científicas e tecnológicas.
Em 1943, o Ministério do Exterior britânico o enviou como diplomata à China, então parcialmente ocupada pelos japoneses. Sua missão era ajudar os acadêmicos a manter o ânimo e a prosseguir em suas pesquisas.
Para saber do que precisavam, viajou muito pelo país e entrou em contato com inúmeros cientistas; em seguida, mandava-lhes publicações científicas, reagentes, instrumentos e o que mais pudesse obter.
Nesse périplo, Needham se deu conta de que -longe de terem se mantido à margem do desenvolvimento da civilização, como então se acreditava no Ocidente- os chineses tinham descoberto e inventado muito antes dos europeus uma enorme quantidade de coisas, tanto em áreas teóricas quanto no que se refere à vida prática (uma lista parcial cobre 12 páginas do livro de Winchester).
Formulou então o que se tornou conhecido como "a pergunta de Needham": se aquele povo tinha demonstrado tamanha criatividade, por que não foi entre eles, e sim na Europa, que a ciência moderna se desenvolveu?
A resposta envolvia provar que existiam condições para que isso pudesse ter acontecido, e depois elaborar hipóteses sobre por que não ocorreu. Daí a ideia de escrever um livro que mostrasse toda a inventividade dos chineses, tendo como base os textos recolhidos em suas viagens e as práticas que pudera observar.
Embora o projeto fosse ambicioso, a Cambridge University Press o aceitou, considerando que, uma vez realizado, abrilhantaria ainda mais a reputação da universidade.
"Science and Civilization in China" [Ciência e Civilização na China] teria sete volumes, e Needham acreditava que poderia escrevê-lo "num prazo relativamente curto para uma obra acadêmica: dez anos".
Na verdade, tomou quatro vezes mais tempo, e, quando o autor morreu, em 1995, já contava 15 mil páginas. Empreendimento hercúleo, como se vê, que transformou radicalmente a percepção ocidental quanto ao papel da China na história da civilização.
O volume de trabalho envolvido era imenso: de saída, ler e classificar milhares de documentos sobre os mais variados assuntos; em seguida, organizar tudo de modo claro e persuasivo, e por fim apresentar algumas respostas à "pergunta de Needham". Várias pessoas o auxiliaram no percurso (em particular, sua amante chinesa), mas a concepção de base, e boa parte do texto final, se devem exclusivamente a ele.

Monumento
Needham não publicou uma linha de bioquímica durante os últimos 30 anos de sua carreira.
Tampouco tinha formação acadêmica em história das ideias -mas isso não o impediu de, com talento e disciplina, redigir uma das obras mais importantes do século 20.
Se tivesse sido atrapalhado por exigências burocráticas, se tivesse de orientar pós-graduandos, se a editora o pressionasse com prazos ou não o deixasse trabalhar em seu ritmo (o primeiro volume levou seis anos para ficar pronto), teria talvez escrito mais um livro interessante, mas não o monumento que nos legou.
O que estes exemplos nos ensinam é que um trabalho intelectual de grande alcance só pode ser feito em condições adequadas -e uma delas é a confiança dos que decidem (e manejam os cordões da bolsa) em quem se propõe a realizá-lo.
Tal confiança envolve não suspeitar que tempo longo signifique preguiça, admitir que pensar também é trabalho, que a verificação de uma ideia-chave ou de uma referência central pode levar meses -e que nada disso tem importância frente ao resultado final.
Em tempo: um dos motivos encontrados por Needham para o estancamento da criatividade chinesa a partir de 1500 foi justamente a aversão de uma estrutura burocrática acomodada na certeza de sua própria sapiência a tudo que discrepasse dos padrões impostos.
Enquanto isso, na Europa (e depois na América do Norte) a inovação era valorizada, e o talento individual, recompensado. Nas palavras de um sinólogo citado no fim do livro, o resultado da atitude dos mandarins foi que "o incentivo se atrofiou, e a mediocridade tornou-se a norma". Seria uma pena que, em nome da produtividade medida em termos somente quantitativos, caíssemos no mesmo erro."

RENATO MEZAN é psicanalista e professor titular na Pontifícia Universidade Católica de SP. Escreve na seção "Autores", do Mais!.
(Caderno Mais, da FSP, de 09/05/2010).

(Disponível em: http://gpeculturais.blogspot.com/2010/05/o-fetiche-da-quantidade.html).

sexta-feira, 30 de abril de 2010

Homens que traem são menos inteligentes, diz estudo

"Uma pesquisa divulgada pela revista especializada Social Psychology Quarterly mostrou que os homens que traem suas parceiras tendem a ter o QI mais baixo, enquanto ser fiel a mulheres e namoradas é sinal de que eles são mais inteligentes e "evoluídos".
Segundo o autor do estudo, o especialista em psicologia evolutiva da London School of Economics, Satoshi Kanazawa, "homens inteligentes estão mais propensos a valorizar a exclusividade sexual do que homens menos inteligentes". De acordo com a pesquisa, o ateísmo e o liberalismo político também são características de homens com o QI alto.
Para chegar a essas conclusões, Kanazawa cruzou dados de duas grandes pesquisas americanas que mediam atitudes sociais e QI de milhares de adolescentes e adultos. Após analisar os estudos National Longitudinal Study of Adolescent Health e General Social Surveys, o especialista percebeu que as pessoas que acreditam na importância da fidelidade sexual para uma relação demonstram QI mais alto.
Ampliando o resultado das análises, Kanazawa também concluiu que o comportamento "fiel" do homem mais inteligente é um sinal de evolução da espécie. Se ao longo da história evolucionária os homens sempre foram "relativamente polígamos", as pesquisas demonstrariam que esse quadro está mudando.
Para Kanazawa, assumir uma relação de exclusividade sexual teria se tornado uma "novidade evolucionária", e pessoas mais inteligentes estariam mais inclinadas a adotar novas práticas em termos evolucionários. Isso se deveria ao fato de pessoas mais inteligentes serem mais "abertas" a novas ideias e questionarem mais os dogmas.
Quanto às mulheres, Kanazawa esclarece que a exclusividade sexual não está diretamente relacionada ao maior QI entre elas, já que sempre foram relativamente monogâmicas, e isso não representaria uma evolução."

domingo, 25 de abril de 2010

A falta do pai


Em complementação ao post anterior, reproduzo aqui uma entrevista publicada pelo Instituto Humanitas Unisinos, sobre a importância do pai na formação das crianças. A matéria está disponível também no site do IHU, onde é possível ler outros textos sobre o tema.
'A falta do pai é sempre prejudicial'. Entrevista especial com Rubens de Aguiar Maciel
Por Redação IHU
“Há um grande desconhecimento em relação à importância da função paterna dentro da família. Nas relações entre mãe e pai, existe uma dinâmica que é alterada com a vinda de um filho. Por outro lado, o pai tem uma função muito importante na formação da personalidade e no aspecto emocional da criança”, afirma o psicanalista Rubens de Aguiar Maciel. Durante a entrevista que concedeu à IHU On-Line, por telefone, ele falou sobre as transformações que o papel do pai vem sofrendo nas últimas décadas.
Maciel analisou as pesquisas que são feitas no Brasil sobre a paternidade, sobre como as mulheres tratam o tema e também sobre a ausência do pai e a influência que o filho traz para o homem enquanto pai. “Hoje há alguns movimentos que procuram auxiliar os homens nesta tarefa de pai, ainda são poucos, mas existem grupos que se organizam no sentido de fazerem turmas de pais, de casais, onde vão discutir a questão da paternidade e do cuidado com os filhos. É algo que precisa ser incentivado e divulgado”, destaca.
Rubens de Aguiar Maciel é psicólogo e psicanalista. Atualmente, é professor na Universidade de São Paulo (USP) e colaborador do Hospital das Clínicas de São Paulo. É considerado um dos poucos especialistas do país na questão da paternidade.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Por que há tão poucas pesquisas sobre o tema da paternidade?
Rubens de Aguiar Maciel – O pai ficou em segundo plano nas investigações científicas e na sua relação com os filhos. Isso talvez porque a presença do pai dentro da família tivesse um papel um pouco mais distante até pouco tempo atrás. Há algumas décadas, o pai não era tão solicitado, como é hoje, para conviver no aspecto emocional com seus filhos e com a mulher. Ele cuidava muito mais do trabalho e de prover a família financeiramente. A parte da educação moral e dos cuidados com os filhos sempre ficou mais com a mãe. Por isso, a relação mãe-criança, mãe-bebê era mais intensa e mereceu mais estudos. Com as transformações econômicas, sociais e dos costumes, o pai hoje participa de uma maneira muito mais intensa e, acredito que, por esta razão, o interesse pela figura e função do pai na formação da personalidade da criança começou a crescer.

IHU On-Line – Quais são as transformações do papel do pai?
Rubens de Aguiar Maciel – Historicamente, o papel do pai sofreu transformações radicais de fato. Na pré-história, sabia-se que o filho tinha uma ligação com a mãe, já que provinha dela. Mas, em um passado remoto, não se tinha a ideia de que o pai fosse responsável pela fecundação. A mãe poderia engravidar pelos espíritos, antepassados ou por tocar em um animal ou em um mineral, de maneira que o pai não tinha a consciência do seu vínculo genético com o filho. Acredito que, por essa razão, a responsabilidade do pai era quase que nula. As coisas foram se transformando, e se descobriu, aos poucos, que a gestação era proveniente de uma união sexual e, desta forma, o pai tinha participação na concepção da criança. Assim, a responsabilidade e a ligação começaram a se estabelecer de maneira mais forte.
Mesmo assim, ainda em épocas longínquas, os grupos sociais eram muito extensos. A criança convivia com uma família extremamente numerosa, muitas vezes, convivia com uma variedade de empregados e funcionários da casa ou das propriedades. A criança sofria influências dessas inúmeras figuras. Com as transformações socioeconômicas, os grupos foram se tornando menores, até se reunirem no que hoje conhecemos como família nuclear, esta é constituída por pai, mãe e filhos, e, às vezes, alguns agregados. Mas o grupo familiar se tornou muito mais restrito, de maneira que a criança passa a ver o pai, a mãe e os irmãos como figuras de referência, e essas assumem uma importância de maior peso.

IHU On-Line – A paternidade é um tabu para as mulheres?
Rubens de Aguiar Maciel – Há um grande desconhecimento em relação à importância da função paterna dentro da família. Nas relações entre mãe e pai, existe uma dinâmica que é alterada com a vinda de um filho. Por outro lado, o pai tem uma função muito importante na formação da personalidade e no aspecto emocional da criança. Como os estudos não são muito extensos e aprofundados, se conhece pouco sobre isso, tanto a mulher quanto a sociedade de uma maneira geral. Na comunidade científica, isso também acontece, na medida em que os estudos não são muito extensos e abundantes. Iniciou-se, em vários outros países, algumas pesquisas que voltam suas atenções e esforços no sentido de olhar para a questão da paternidade, dentro da dinâmica familiar e na constituição emocional do filho.

IHU On-Line – A mãe tem influências no exercício da paternidade?
Rubens de Aguiar Maciel – Se for uma mãe amadurecida e segura emocionalmente, ela irá incluir esse pai, na relação com o filho, de uma maneira positiva. Entretanto, se essa mulher não é razoavelmente madura e se sua relação com o marido não está indo muito bem, pode haver uma tendência da mulher se unir ao filho e excluir o pai. É como se ela fizesse um pacto com o filho por várias razões, por ciúmes ou insegurança do marido, e, desta forma, prejudica o bom vínculo com a criança. Em outros casos, se a mulher é muito ansiosa, ela se volta de uma maneira extremamente exagerada para sua maternidade. Passa a ter um cuidado excessivo e, às vezes, desnecessário. A mãe acaba retirando a atenção de muitas outras coisas e principalmente do marido, que acaba se ressentindo disso. São mulheres que, por exemplo, não podem ter uma vida sexual, que procuram exercer cuidados exagerados com a sua saúde, que não tem uma vida social, se voltam exclusivamente para a gestação, de uma maneira que acaba excluindo o marido do convívio emocional com ela.

IHU On-Line – Quais as diferenças entre o papel e a função de pai?
Rubens de Aguiar Maciel – O papel está mais voltado para as expectativas sociais, culturais e morais de como o pai deve se comportar em relação à sua família e seu filho. Nesta medida, ele deve ser um provedor material, de educação, saúde etc. Inclusive, do ponto de vista legal, há uma lei, que está tramitando no congresso, que irá permitir aos filhos que processem seus pais por ausência afetiva, por falta de amparo afetivo. Porém, esses aspectos são relativos ao papel do pai, é o que se espera que o pai desempenhe. A função do pai diz mais respeito à formação emocional e da personalidade da criança.
O pai vai surgir como um exemplo em muitos aspectos para o filho. Vai surgir como aquele que deve estimular a criança a sair do vínculo simbiótico com a mãe. O pai irá induzir a criança para que ela vá se desligando da mãe, e vá se introduzindo na sociedade. A tendência natural da criança é estar grudada com a mãe o tempo todo, ser o centro das atenções e ter a mãe como objeto de seu controle. Se ela chora ou quer carinho, a mãe estará lá. O pai será aquela pessoa que dirá: “Ela é sua mãe, mas também é minha mulher. Ela é sua mãe, mas também é mãe dos seus irmãos. Você precisa substituir sua mãe, temporariamente, pelo pai ou por algum brinquedo”. Desta forma, o pai vai colocando a criança no convívio com a sociedade e vai fazendo com que ela aprenda a dividir esse amor simbiótico pela mãe com outras pessoas. A criança, primeiro, vai aprender a dividir essa atenção dentro do ambiente familiar, depois na escola, com a sua turma na adolescência, com seu grupo de trabalho na idade adulta, e vai destituindo seus amores primitivos por outros. A função do pai é formar uma criança que saberá dividir e lidar com seus desejos, assim ela conseguirá conviver em sociedade de forma mais harmônica.

IHU On-Line – E quanto aos limites, qual o papel da figura paterna?
Rubens de Aguiar Maciel – A criança ou bebê quer a mãe o tempo todo, exclusivamente, não quer dividi-la com ninguém. Um fato bem exemplar é quando se observa uma criança mamando no peito. A mãe está lá, conversando com ela e, se chega alguém, a criança olha para essa pessoa, mas continua com os dentes cravados no mamilo da mãe. Em relação a esse desejo de exclusividade e essa ligação contínua, isso precisa ser limitado. É preciso que se estabeleça uma separação. Neste sentido, o pai vem como limite.

IHU On-Line – Que lacunas se abrem a partir da ausência da figura paterna?
Rubens de Aguiar Maciel – A falta do pai é sempre prejudicial. Entretanto, a mãe pode exercer certas funções paternas. Neste sentido do limite, a mãe pode exercer em relação ao filho uma separação, dizendo para ele que também tem outras responsabilidades, mesmo na ausência do pai. Já a ausência do pai, como modelo, pode trazer uma série de fantasias e consequências, mais ou menos sérias, dependendo do convívio da criança com outras figuras masculinas. Se a criança tiver uma variedade de figuras masculinas para se identificar, o problema se dilui um pouco. Se não tiver, se o convívio for apenas com a mãe ou com figuras femininas, o problema aumenta, na medida em que não tem modelos para se projetar. A criança, no entanto, pode ir pegando esses modelos com seus amigos, com os pais dos amigos, mas não é a condição mais favorável.

IHU On-Line – Que tipo de transformações o filho traz para o pai enquanto homem?
Rubens de Aguiar Maciel – O fato de ser pai desperta, em muitos homens, um senso de responsabilidade que traz muitas ansiedades, muitas dúvidas. No sentido de que o homem se pergunta se é capaz de desempenhar aquele papel de forma razoável. A minha pesquisa foi feita com pais de primeira viagem, e, quando se trata do primeiro filho, os pais não sabem o que os espera. Eles não sabem se serão capazes de prover os filhos, de manter o emprego, de ser amorosos, darem bons exemplos, e, muitas vezes, não sabem se serão capazes de ter um comportamento diferente daquele que eles tiveram com seus próprios pais. Muitos deles não concordam com a educação que tiveram, esperam dar uma educação diferente, mas não sabem se tem capacidade e flexibilidade para se modificar.

IHU On-Line – Podemos dizer que hoje os pais têm uma relação mais afetiva e próxima com os filhos?

Rubens de Aguiar Maciel – Sim, isso vem mudando. Os pais hoje se mostram muito mais interessados e participativos. Essa quantidade enorme de separações faz com que os pais convivam com seus filhos e passem os finais de semana com eles. Há uma solicitação social, uma sugestão, por parte do comportamento, de que o pai deve se manter mais próximo. Isso tudo tem favorecido uma aproximação entre os pais e os filhos. Eu diria que é um começo e que ainda há muito para se avançar, mas a reação mais íntima entre pai e filho é um fato que vem se estabelecendo.

IHU On-Line – E que aspectos explicam a mudança de comportamento na paternidade, considerando essa relação mais próxima?
Rubens de Aguiar Maciel – Há transformações sociais e econômicas, com as famílias menores, que fazem as mulheres participarem do mercado de trabalho. Faz-se necessária uma divisão das tarefas dentro do lar com o marido, que passa a conviver com filhos de uma maneira mais intensa. Há também a divulgação dos conhecimentos científicos em relação ao comportamento. É indicado que esse pai não seja ausente, frio, distante e autoritário, e que deseje simplesmente determinar o futuro dos seus filhos, dizendo a eles o que devem seguir, a nível de carreira ou de relações. O cuidado com os desejos e as necessidades dos filhos, hoje em dia, é muito maior do que no passado. Hoje, há alguns movimentos que procuram auxiliar os homens nesta tarefa de pai, ainda são poucos, mas existem grupos que se organizam no sentido de fazerem turmas de pais, de casais, onde vão discutir a questão da paternidade e do cuidado com os filhos. É algo que precisa ser incentivado e divulgado.
(Envolverde/IHU Unisinos)
© Copyleft - É livre a reprodução exclusivamente para fins não comerciais, desde que o autor e a fonte sejam citados e esta nota seja incluída.

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Mães Órfãs

Tudo bem. O crime foi de uma barbárie inquietante e que nos faz pensar até que ponto um ser humano chega, sobre o que é capaz de fazer. Os réus, de uma frieza e de uma falta de dignidade ao não confessar e dizer a verdade - digo, qualquer coisa que, na visão deles, aconteceu naquele dia, pois verdade cada um tem a sua e depende de muitas variantes - impressionantes! 
A acusação foi impecável!
 A defesa foi brilhante.
A Justiça, célere (!!!).
O fato é que não houve o mesmo aprofundamento na questão da dor da mãe da Isabella...
de ter perdido a filha naquela idade e daquela forma brutal...
Isso me toca diretamente pois meus tios perderam a filha para uma doença degenerativa e nunca mais foram os mesmos... não se conformam, não compreendem, cada um de sua forma, perderam o brilho... sentem dor até hoje, embora se esforcem para continuar seguindo... ajudando com os netos... respirando, enfim.
Por isso acho que nós, mães, devemos refletir muito sobre o assunto... e lembrar da possível perda de um filho principalmente nos momentos de stress, inquietude, nervosismo, falta de paciência...
ou quando eles estão a nos testar, irritar, provocar, chatear;
ou aborrecendo, choramingando, desafiando,
fazendo manha!
Então decidi postar aqui uma excelente reportagem que li a respeito na revista Istoé.
E faz sentido, porque quem perde os pais fica órfão, quem perde um companheiro fica viúvo(a) e quem perde um filho fica como?!

“Eu sempre quis ter outro filho, mas não é um plano para daqui a nove meses”
Ana Carolina, mãe de Isabella

"Ser mãe é padecer no paraíso, quanta alegria e celebração à mulher que pode dizer isso – ela é mãe de filho vivo. Mãe de filho morto é mulher que desce ao inferno da dor, do desespero e da depressão. Sua vida, de céu não tem nada, há apenas um quedar-se insone, ansioso e impotente diante de um destino que não pode mudar. Se mães pudessem pressentir a morte inesperada de filhos, em crimes e acidentes, ou salvá-los de morte anunciada por enfermidade que vai se estendendo, simbolicamente tentariam aquilo que é fisiologicamente impossível: pelo mesmo e agora já inexistente cordão umbilical, através do qual os colocaram no mundo, os trariam de volta ao aconchego do útero. Sim, é nele, útero, que a constante dor emocional da morte, quase sempre psicossomatizada, lateja fisicamente. Psicólogos afirmam: “Muitas mulheres, ao perderem suas crianças, sentem pontadas no útero” – útero que já foi preenchido pelo feto, feto que virou filho, filho que virou sepultura. “A dor não passa jamais”, diz Luciana Mazorra, psicóloga clínica e professora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. “Emocional e fisicamente, é como se ela fosse mudando de lugar e machucando a mãe em espaços diversos.” Assim fala a teórica. Assim confirma a mãe enlutada Ana Cristina de Freitas Rocha, que perdeu em São Paulo a sua “querida Tatiana”, vítima de uma broncopneumonia aguda que fez seu abdômen doer numa quinta-feira e seus olhos cerrarem para sempre já no sábado seguinte: “O falecimento de filho é dor que dói na alma e no corpo.” Ana Cristina explica que “não há superação”, mas tão somente adequação de seu dia a dia ao sofrimento.

Ela trabalha em uma empresa de informática, gerenciando a área comercial, cuida da casa sozinha e atua voluntariamente na Associação Brasileira de Apoio ao Luto. É a essa função que dedica a maior parte de sua energia e tempo, coordenando um grupo de autoajuda e visitando mães enlutadas. Igualmente em outro ponto concordam especialistas em luto materno e mulheres que mirram em seu cotidiano na ausência do ente mais querido: “Às vezes, passase a vida inteira acreditando que o filho não morreu.” Há uma razão para isso, pendulando entre a filosofia e a biologia, essas duas áreas do conhecimento que são, também elas, mães – preciosas mães do entendimento da condição humana: existem na vida dois fenômenos irreversíveis, ou seja, a maternidade e a morte. A mulher é uma mulher e quando dá à luz passa a ser uma mulher-mãe. Se seu filho morre, ainda assim ela continua sendo mãe. Novamente aqui, reforça-se a tese com uma fala dolorida: “Não existe ex-mãe”, diz Maria José Amaral, que chora a falta de sua filhinha, Carolina, morta num acidente de carro na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, às vésperas de um Natal. Hoje ela mora em Brasília, tem um companheiro e escreve livros de contos baseados em experiências como a que ela amargou. Tentou ter outro filho, mas teve de abortá-lo porque o feto apresentava hidrocefalia e agora se resignou: não vai ser mãe novamente.


A DIFICULDADE DE OLHAR NO ESPELHO

Recentemente, duas mães que perderam seus filhos, crianças inocentes nas mãos de assassinos, tornaram-se involuntariamente símbolos da dor que devasta física e psiquicamente outras tantas mulheres, todas órfãs às avessas, digamos assim, de seus pequenos que partiram. Uma dessas mulheres é Ana Carolina Oliveira, mãe de Isabella, trágica história que a mídia contou exaustivamente. A outra é Rosa Cristina Fernandes Vieites, mãe do garotinho João Hélio, que, preso ao cinto de segurança, mas com o corpinho fora do carro, foi arrastado na rua ao longo de sete quilômetros pelos assaltantes que fugiam com o automóvel de sua mãe. Rosa não dá mais entrevista porque um dos assassinos já se encontra em liberdade no Rio de Janeiro – e só três anos se passaram. Quanto a Ana Carolina, ela declarou em entrevistas que pensa em ter outro filho, projeto que não inclui os próximos nove meses. Teve de mudar de endereço em São Paulo (na garagem de sua ex-residência está instalada uma malharia que pertence a seus pais, segundo uma ex-vizinha), acorda cedo para trabalhar e brinca bastante com os sobrinhos. Ainda no campo da violência, é significativo na dor o sentimento da advogada carioca Zoraide Vidal. A sua filha, Ludmila, que era policial, estava grávida quando foi assaltada, torturada e morta.

Hoje, uma Zoraide essencialmente triste continua advogando e auxilia a polícia em trabalhos comunitários no Morro do Borel. Para todas essas mães a vida muda naquilo que é mais perceptível, ou seja, na rotina, na saúde, no ânimo e nos projetos. Mas muda também, e em doses alucinantes de padecimento, naquilo que é inconsútil, mas se torna marcado para sempre: a alma. “É como se a minha Ludmila estivesse agora eternamente na chuva, desamparada e desprotegida”, diz Zoraide. “E eu preciso protegê-la, acolhê-la. A sua última frase para mim, em vida, foi a seguinte: se eu morrer hoje, só volto para o mundo para ser filha da Zoraide de novo.” Ela prossegue: “Onde está a minha Ludmila para eu abraçar, cuidar, beijar? É como amputar um braço, não se recupera mais. É uma dor que é um buraco que nada preenche.” Falou-se em alma da mulher-mãe, falou-se no desejo impotente de amparar o que já é inerte e assim faz-se necessário voltar-se aqui à teoria do luto. O que é essa alma? Como se dá o processamento da irreversível perda? O projeto de maternidade, bem como a maternidade consumada, é para a mulher uma espécie de “prolongamento de seu ego”, assim ensinou humanidade o criador da psicanálise, Sigmund Freud, e dois de seus mais geniais seguidores – embora tenham rompido com o mestre no andar da carruagem do conhecimento humano – Melanie Klein e Jacques Lacan. Pode-se dizer, mesmo, que “é um ato narcisista da mulher e na criança ela vai projetar a si própria, o que não quer dizer que não a ame profundamente e para sempre”. Assim, quando o filho morre, três dores se sobrepõem. Em primeiro lugar, o “espelho-lago da mitologia de Narciso”, presente em todos nós, se parte e muitas mães órfãs mal conseguem olhar-se de fato num espelho de verdade. “Eu não conseguia no início olhar no espelho, o meu olhar sangrava a minha alma”, diz Ana Cristina. “Fiquei oca.” Em segundo lugar, a morte do filho interrompe toda a perspectiva de futuro que a mãe nele depositara, inclusive o futuro de ver seus genes se fortificarem e se perpetuarem – essa é parte emocional e novamente não tangível, mas contam também os projetos visíveis de vê-lo estudar, viajar, fazer dele uma pessoa e tê-lo como uma grande e constante companhia. Com ele vivo, o mundo é uma escada rolante subindo; se ele morre, nem se pode dizer que essa escada rolante pare. Na verdade, ela desce despencando.


A CULPA POR ESTAR VIVA

“Ocorre uma inacreditável descontinuidade. Eu perdi meu presente e, sem presente, com a morte da minha filha Tatiana naufragou meu futuro”, diz Ana Cristina. Finalmente, a morte de um filho interrompe o inexorável, mas natural caminhar do tempo: estamos culturalmente preparados para assistir, primeiro, à morte de nossos bisavós, avós e pais – ou seja, daqueles que primeiro chegaram ao mundo. O falecimento do descendente, portanto, interrompe essa ordem estabelecida de vida e morte e a mulher-mãe enlouquece ao triste estilo dos incrédulos que não se cansam de perguntar “por quê?, por quê? por quê?”. “Dá culpa, muito sentimento de culpa”, diz a paulista Eliza Cristina Saravalli, mãe de Tiago, morto num acidente. Em seu caso, também a culpa, como se culpa houvesse, se desdobra em dois planos. “Para esquecer de um namoro terminado, eu o incentivei a dar uma volta no jipe que o matou.” Essa é a culpa concreta, se é que assim pode-se chamá-la. Mas há outra, novamente a da alma, a da ordem natural interrompida de nascimento, crescimento, envelhecimento e morte. Há o desespero que somente a desesperada sabe qual é. “Certa noite, voltando muito tarde de um baile, tirei os sapatos para entrar em casa para que o Tiago não visse a hora que eu estava retornando. Ele acordou e perguntou: mãe, essa cena não está invertida? Não sou eu que tenho de chegar tarde e você cedo?”, lembra Eliza. Agora, no angustiante luto cercado de símbolos, ela atravessa noites a fio se indagando o contrário: “Tiago, essa cena não está invertida? Não sou eu que tenho de estar morta e você vivo?” A despedaçada Eliza prossegue com ela trabalhando como cuidadora de idosos.

Criticada por alguns e apoiada por outros, ela voltou a dançar sempre que pode, atividade que funciona como terapia e entretenimento. Na subversão do tempo dos vivos e dos mortos, quando gente pequena morre antes de gente grande, ou na “traição do tempo”, como às vezes preferem definir essas mulheres enlutadas, já não vale o lugar-comum que repetimos e julgamos toda dor aplacar: “Dê tempo ao tempo que a dor passa.” Não. Para as órfãs de suas proles o tempo estanca e não há lenitivo; e entre aqueles que se especializam em cuidar delas é impossível quantificar um período de luto. “Perder um filho é o maior stress que o ser humano pode passar. Não dá para dizer quanto dura esse luto, ele pode ser eterno”, diz a psicóloga Éster Affini, especializada no atendimento desses casos. Luto eternizado e tempo estancado são vividos por Maria José da Cruz Ferreira. Ela está com 73 anos e sua filha única, Regina, morreu quando tinha 15. Nesse pesaroso intervalo de 37 anos, Maria José conserva o quarto da filha tal qual ele era. Na gaveta da cômoda, cadernos e provas do colégio; no armário, vestidos. “A caminha dela, a cadeira, o violão, os bichinhos de brinquedo, tudo igual”, diz a mãe. A certa altura da vida, se é que dá para falar em vida, Maria José e seu marido, José Roberto Ferreira, chegaram a cogitar um pacto de morte – os dois se suicidariam no mesmo instante. Eles não se mataram porque “nos voltamos para a fé em Deus e em Nossa Senhora, além do trabalho voluntário com jovens”, diz ela.


UM PÁSSARO CHAMADO TICO

A estrada da religiosidade, na verdade, é trilhada por muitas dessas mães. A mãe de Isabella já declarou que reza muito e volta-se para Deus. A mãe de João Hélio disse certa vez que segue a Igreja Católica e começou a assistir a palestras sobre espiritualidade dadas por psicólogos. A carioca Manoela Toledo, mãe de Luan que morreu de caxumba com 6 anos, primeiro blasfemou à maneira das desesperadas, depois, assegura ela, teve “uma visão de Nossa Senhora, não com os olhos, mas com a mente”. E conta: “Antes de ver a Virgem, eu andava pela casa questionando Deus. A dor emocional era tanta que doía fisicamente. Eu me arrastava, curvada, ficava ajoelhada procurando cabelinhos de meu filho que poderiam estar no chão.” Cada órfã de filho empurra a vida, ou a reinventa em movimentos simples, com o vazio dentro de si. A paulista Luciana Leite, por exemplo, acaba de tatuar três corações no pulso e um pássaro no pé. Quando ela estava no hospital com seu pequeno Lucca, vitimado por doença degenerativa, “um pássaro visitava a gente todo dia e o Lucca chamava-o de Tico.” Luciana está trabalhando na área de comunicação de uma multinacional, voltou a namorar e cuida de seus dois outros filhos. A todas as mães órfãs entrevistadas ISTOÉ perguntou: – Que nome dar a essa dor? As mulheres-mães-órfãs choraram. As mulheres-mães-órfãs responderam: – Essa dor não tem nome."

sábado, 3 de abril de 2010

Odisséia


"Estou fazendo um curso fantástico sobre literatura. Despretensioso, divertido, cheio de informações... E tocante. A cada terça-feira, eu aprendo um pouco mais sobre os livros, a magia das histórias e sobre mim mesma.
A história que é o nosso norte chama-se Odisséia. A obra, junto com a Ilíada, é considerada o começo da Literatura Ocidental. Assim como os Contos de Fadas, as histórias gregas eram contadas oralmente; e um dia, alguém resolveu reuni-las e escrevê-las. Essas histórias contam, em suas linhas e entrelinhas, a cultura e o jeito de ser de um povo. E quem conta a história de um povo, conta a história de uma pessoa, qualquer pessoa... Porque somos feitos da mesma massa, da mesma essência.
A Odisséia é a história de Ulisses (em grego, Ulisses é Odisseu - daí o nome), Rei de Ítaca, que deixou sua terra, sua amantíssima esposa Penélope e seu filho Telêmaco para ir lutar por dez anos na Guerra de Tróia, ao lado de outros reis gregos como Menelau e Agamenon. Lá, Ulisses usou a força das armas e o poder de uma idéia inteligente (um cavalo de madeira) para vencer os exércitos e as densas muralhas de Tróia. Merecidamente, quis voltar para casa. Mas, ao sair das terras troianas, ofendeu o deus do sol, Hélio, que jurou impedi-lo de voltar para Ítaca. Também ficou ofendido Poseidon, o deus dos mares, quando Ulisses atacou um de seus filhos - o ciclope Polifemo - e saiu gabando-se de sua sina de herói invencível. Os dois deuses fizeram de tudo para que Ulisses não retornasse ao seu lar, e assim esse retorno durou mais de vinte anos - vinte longos anos de batalhas, amigos mortos, cansaço, aventuras, desistências, derrotas e vitórias. A Odisséia é a história dessa longa viagem.
Não é à toa que as aventuras do Rei de Ítaca chegaram até nós. Uma obra de arte só é obra de arte se resiste ao teste do Tempo, e continua sendo vista e sentida pelas pessoas, independente de suas crenças, nascenças, tempo histórico ou procedência geográfica. Isso quer dizer que nelas, nessas obras, há algo que diz respeito ao que é ser humano. E quando a alma se comunica com outra alma, não há barreiras de compreensão. O encantamento e reencantamento se faz. Há em histórias como a Odisséia metáforas da vida, que se dão nos mínimos detalhes e entrelinhas.
Ouvi da minha doce e inteligentíssima professora que a maior metáfora da Odisséia é que cada um pode ser o herói de sua própria história. Ler essa história e acompanhar a sofrida e vitoriosa trajetória de Ulisses me fez pensar no que faz de uma pessoa um herói, ou uma heroína. Se há pessoas vitoriosas transitando por aí, também há pessoas derrotadas e cansadas; pessoas que perderam algo, que foram aniquiladas em suas chances de vencer, e nem querem mais isso. Não se trata da obsessão maníaca de vencer por vencer, mas sim de se querer algo, nem que seja um gosto bom de tranquilidade. De tantos guerreiros que saíram das ilhas gregas, de tantas pessoas envolvidas na Guerra de Tróia e na volta de Ulisses para casa, apenas ele chegou a Ítaca e alcançou o seu prêmio, porque algo nele havia de diferente, um brilho especial. Em que forma foi feita um herói, ninguém sabe. Talvez seja um dom, uma benção, o resultado de muito esforço e preparo, uma postura diante do mundo, ou tudo isso junto. Importante é entender que um herói se faz não em um momento ou uma situação, mas por toda uma vida de aprendizagem e retomadas. Ser herói não é nada fácil.
O caminho do herói é a aventura. Para aventurar-se, Ulisses teve que deixar sua casa, sua família, seu amor, seu filho, sua segurança. O caminho da aventura exige renúncia do calmo, do tranquilo, do descanso. Há que se buscar a mudança, o movimento, aquela emoção que sacode a alma. Aventurar-se é se jogar em direção ao desconhecido, sem saber do futuro. Sempre, um caminho sem volta. Talvez, um caminho difícil. Mas, ainda assim, um caminho de glória. O herói que vive em nós, se não está amordaçado e calado, sabe que não adianta esperar e esperar para que a vida aconteça diante de nós. A vida está em algum lugar bem longe, bem perigoso e cheio de paisagens, das mais horrendas as mais belas. E para ver tudo isso, para ter a vida, é preciso buscá-la, com coragem. Essa disposição, essa força pra lutar vem de dentro. E pra dentro ela volta a cada batalha vivida, seja ela vencida ou não. O herói dentro de nós precisa ter vez pra falar, precisa ser vivo e forte.
Nenhum herói colhe só sorrisos em sua trajetória. Dos mais antigos aos mais modernos, eles passam por um duro processo de amadurecimento, de lapidação, que em boa parte dos casos, se dá pela dificuldade, pela dor. Ulisses viu seus companheiros morrerem um a um. Desceu ao Hades (inferno) e teve que olhar a morte. Sentiu saudades de sua esposa dia após dia. Não viu o filho crescer. Por várias vezes, teve que reviver a história de Tróia e todos os horrores que a guerra traz. Enfrentou os deuses irados. E, quando voltou, sozinho, teve que se passar por mendigo para ver sua casa tomada por homens que o traíram de diversas maneiras e destruíram seu patrimônio. Ele sofreu, e muito, como sofremos todos, os que optam por andar ou por parar. Porém, ainda que dolorido, o caminho da aventura sempre traz bons frutos para quem o trilha até o fim. Sempre.
Do passo a passo da Odisséia, várias lições. Os heróis não vencem sempre. Os heróis se cansam, mas não desistem. Os heróis usam de força e inteligência nas devidas proporções. Os heróis têm orgulho de si mesmos. Os heróis confiam em suas armas. Os heróis cometem erros banais quando deixam que a vaidade tome conta deles. Os heróis vão ao fundo da dor e ao pico da alegria e satisfação, e aproveitam ambas as situações. Os heróis ouvem os mais sábios. Os heróis lutam contra o destino, e às vezes conseguem mudá-lo. Os heróis são dispostos. Os heróis reconhecem que o caminho é mais importante que a chegada. E, acima de tudo, os heróis são apaixonados por um ideal que guia a sua própria vida, porque é da força da paixão que vem a força pra chegar ao final e encontrar a paz.
A vida apresenta-se diante de todos nós como um caminho de volta para Ítaca. Nebuloso, incerto, turbulento, longo. Cheia de mares revoltos, períodos de calmaria, aventura, e um desejo, lá no fim, de estar bem, de estar em casa, seguro e tranquilo, com a missão cumprida. Algumas pessoas passam por esse caminho e são tragadas por ele, se deixam vencer pelo desânimo, pela mediocridade, pela corrupção de seus sonhos e ideais. Outras, até tentam, mas acabam por desistir. Mas há alguns heróis. Gente que passa pelo mesmo caminho, e faz a escolha de lutar, incansavelmente, até chegar lá. O que será que há com eles?
Os gregos acreditavam que os heróis eram mortais que tinham sido untados pelos deuses em uma calda especial, que os enchia de bravura, força e coragem. Mas há quem acredite que os heróis são aqueles de espírito forte e luminoso, que escolhem ser assim, que escolhem lapidar-se para enfrentar a dor. E, o mais lindo de tudo, enfrentam. E mesmo quando perdem, acabam ganhando. Os heróis são pessoas especiais, ainda que não sejam famosos como Ulisses ou Aquiles. São vencedores não porque ganham, mas porque escolheram encarar a adversidade ao invés de evitá-la.
Há uma passagem da Odisséia que é de tocante beleza e simbolismo. Ulisses e seus marinheiros passam pela Ilha das Sereias, monstros marinhos que possuíam metade do corpo em forma de mulher e metade em forma de aves de rapina. Seu canto, extremamente belo e misterioso, atraía os marinheiros para o mar, e depois de ficarem loucos, eles atiravam-se ao mar, e acabavam por morrer afogados. Na ilha, ficavam apenas os esqueletos, recobertos por peles ressequidas, e o mar tingido de sangue. Avisado pela bela feiticeira Circe desse perigo, Ulisses amassa com as próprias mãos um pouco de cêra, e entrega aos seus marinheiros para que eles tapem os ouvidos e não se deixem envolver pelo canto. Quanto a ele, pediu que o amarrassem num mastro, bem amarrado, e que não tapassem os seus ouvidos, pois ele queria passar por ali, mas não queria deixar de ouvir o canto tão belo e sedutor. Queria experimentar o perigo para poder saber o que venceu.
Claro, Ulisses teve sorte. Mas não só isso. Ser o herói da própria história é uma escolha e um mérito de cada um. E que bom que é assim."

Não, pessoal, não é meu... não registrei quem era o autor(a), se alguém souber e puder me dizer, agradeço! Só achei que valia postar!  

sexta-feira, 2 de abril de 2010

Quem quer uma vida de "e se"?

A felicidade não é eterna, mas a desistência pode ser para sempre

"Quase todos nós temos algo que gostaríamos de ter feito. E não fizemos. Um plano mirabolante que tinha tudo para dar certo, mas que nunca tentamos. Aquelas ideias que parecem ótimas na mesa de bar e, como os vampiros clássicos, escondem-se nos nossos porões na primeira luz do sol. Tenho amigos que querem ter um café, outros uma livraria, há os que querem ter uma livraria com café ou um café com livraria. Antes havia os que queriam ser repórteres da National Geographic, os que queriam filmar com Fellini e até os que queriam ter uma família de dez filhos. Conheço um monte de gente que desejava ter feito mais do que ousou fazer. Mas, em algum momento, deixou passar a chance de recosturar seus sonhos com o fio do possível. Preferiu se deixar convencer que ser adulto era assumir uma ideia de responsabilidade que excluía a possibilidade de se reinventar a qualquer momento. E isso é certo: pode não existir amor para sempre, nem vida para sempre, mas descobri que existe desistência para sempre.
Suzi e Marcelus são meus amigos de adolescência. E eles estão nessa história porque tiveram a ousadia de reinventar a vida. Não aos 20, mas aos 40. Eles rejeitaram aquilo que eu chamo de "vida de... e se?". E se eu tivesse feito isso e não aquilo? E se eu tivesse tido coragem? E se eu tivesse me divertido? E se eu tivesse sido mais corajoso? E se eu tivesse amado mais? E se? E se? E se? Não há nada mais triste do que uma vida de "e se?".
Suzi e Marcelus Vieira vivem em Ijuí, no interior do Rio Grande do Sul. Ijuí é uma cidade de uns 70 e poucos mil habitantes, coberta de uma poeira tão vermelha e persistente que gruda na alma da gente. Quem mora lá nunca terá a chance de pisar no mundo com um tênis branco. Mas quem quer um tênis branco? A cidade vai bem quando chove e faz sol na medida certa para o soja ser lucrativo. Ou seja, depende do imponderável e do Banco do Brasil. Apesar de ter deixado Ijuí há mais de 20 anos, volta e meia me pego no meio do trânsito de São Paulo pensando: "mas e como será que anda o soja nesse ano, hein?"
Comer bem, para a maioria dos ijuienses, é lotar o prato num dos muitos restaurantes a quilo. Ijuí se orgulha de ser a capital brasileira das etnias e isso significa que ela é povoada por descendentes de alemães, italianos, letos, austríacos, poloneses, russos e várias outras nacionalidades que não estou lembrando agora. Em comum, eles têm essa certeza de que nada pode ser melhor do que pagar nem mais nem menos, mas exatamente o que se come. Por isso, os quilos se tornaram um estrondoso sucesso por lá. Chefes de família que nunca admitiram comer fora de casa encontraram uma boa razão para experimentar a modernidade de comer em restaurante. E muitas mulheres só conheceram a delícia da vida social a partir do advento dos quilos. Há toda uma antropologia dos quilos que, infelizmente, a academia deixou passar.
Com isso, não estou criticando nem os quilos nem a comida de Ijuí. Longe disso. Foi lá, comendo a comida da minha mãe, que eu descobri que comer é uma fonte inesgotável de prazer. Apenas quero situar o contexto gastronômico onde Suzi e Marcelus começaram a salpicar os primeiros ingredientes de sua utopia.
Tirar férias, em Ijuí, é passar uma temporada numa das praias do Rio Grande do Sul. Eu sei que tem gente que não acredita que o Rio Grande do Sul tenha praias que não fiquem em Santa Catarina, mas eu garanto que tem. Os ijuienses preferem as mais movimentadas. E, de preferência, em apartamentos. Se quem mora em cidade grande busca sossego, quem mora em cidade pequena quer "ver gente". Não é uma regra absoluta, mas quase. Para que tentar algum lugar novo se Tramandaí, Atlântida ou Capão da Canoa são garantia certa de diversão? E, ainda por cima, com um guarda-sol ao lado do outro?
De novo, não estou criticando as férias de ninguém. Longe disso. Apenas situando a cultura turística do lugar onde Suzie e Marcelus começaram a esboçar a nova receita de suas vidas.
Quem nasce numa cidade do interior, um dia quer sair. Ou finge que quer. Quem pode usa o pretexto de fazer universidade para se transferir para Porto Alegre ou outra cidade um pouco maior. Mas tive amigos mais radicais, que sem arranjar desculpa melhor, foram tentar achar ouro em Serra Pelada. Deixar a cidade pequena em algum momento é uma espécie de jornada do herói. Não sei qual é a estatística, mas a maioria acaba voltando.
Suzi e Marcelus apaixonaram-se ainda na adolescência. Ensaiaram faculdade em Porto Alegre quando chegou a hora, depois separaram-se por uns tempos. Marcelus se aventurou em Londres, Suzi quase casou com outro. Um dia fiquei sabendo que os dois tinham se casado e moravam em Ijuí. Compraram um apartamento, decidiram não ter filhos e cuidavam juntos da loja de moda jovem mais bacana da cidade. Encontrava-os quando ia à Ijuí visitar meus pais e me parecia que viviam bem. Nesse período, eu tinha muitos amigos olhando desconsolados para as ruínas de seus sonhos de juventude. Mas Suzi e Marcelus não estavam entre eles. O deles parecia ser um destino resolvido.
Dois anos atrás eles me ligaram. Excitadíssimos. Tinham alugado uma casa de campo na Toscana, daquelas de cinema, e estavam levando para lá um grupo de 10 pessoas. Marcelus conciliara a administração da loja com cursos de culinária, nos anos anteriores, e tinha virado um chef. Suzi dedicara-se a estudar o mercado do luxo com o mesmo talento comercial que ela sempre tivera para vender roupas de grife numa cidade que nem sempre tem dinheiro. Os dois se associaram a Adriana e Celso Vedolin, ele radiologista, ela dentista, que também acharam que estava na hora de redescobrir a vida lá fora. E em vez de ficar só sonhando, como a maioria de nós, fizeram.
O projeto deles era alugar uma casa maravilhosa em algum lugar interessante do mundo e levar para lá um grupo de pessoas para comer e beber por uma semana. Ao longo do dia, quem quisesse poderia ir às feiras e vinícolas escolher verduras, legumes, temperos, trufas, pães, queijos, cogumelos porccini, presuntos e vinhos com Marcelus. Mas o único compromisso do grupo seria se reunir na cozinha no final do dia para aprender com ele a fazer um prato da gastronomia local. E depois degustá-lo com o melhor vinho. Simples assim.
E tão sofisticado. Partiram, num dia de setembro de 2007, para uma vila em Peccioli, cidadezinha entre Florença e Pisa, para fazer uma bella vita misturando os ingredientes mais frescos da sua feira pessoal de desejos: viajar, comer e beber. E, contra todas as probabilidades, deu tudo certo. Os hóspedes também se sentiram como se estivessem num filme que podia se chamar Sob o sol da Toscana. Seus anfitriões desdobravam-se no café da manhã, servido a qualquer hora, para que cada um se sentisse realmente em casa, e nas pequenas delicadezas. Como as flores que Suzi colhia a cada manhã para aninhar sobre a cama de cada um, e o pão que desembarcava quente e crocante da padaria de um vilarejo que poderia ser o Cinema Paradiso. E, à noite, na cozinha, Marcelus fazia arte. Como o linguini com trufas brancas que era servido com um Chianti ou um Tignanello, seguido por um Tiramisu.
Suzi e Marcelus tinham acabado de inventar um filme para botar dentro da sua vida. Não ficaram só falando ou lamentando uma existência que se estreitava. Alargaram seu mundo com as mãos e a força de um desejo que não deixaram morrer. Sempre fico imaginando como deve ter sido cada noite em Ijuí, quando tudo ainda podia dar errado. O que ia pela cabeça enquanto vendiam calças, camisas, casacos, vestidos. Quando faziam contas. Quanto medo eles não tiveram. Nem mesmo a casa eles tinham visto de perto, já que não havia dinheiro para esse investimento. Iam selecionando as opções pela internet e um amigo que morava na Itália viajava até lá para conferir. E se não entendessem o italiano? E se as pessoas não gostassem da comida? E se tivesse um chato que azedasse um grupo tão pequeno? Tudo podia acontecer. Até mesmo dar certo.
E deu. Quem comprou a ideia também queria essa semana de filme. Um grupo de amigos numa cozinha de vários séculos, tão cheia de aromas quanto de histórias. As conversas entre cachos de uva, tomates espoucantes, ramos de alecrim e garrafas de vinho. E a luz dourada do fim do dia atravessando o vidro da janela para pousar sem pressa na tampa das panelas. Cada hóspede se tornou melhor nessa semana em que a vida finalmente cumpria a si mesma.
No ano passado eles acolheram seus hóspedes em uma mansão de pedra do século XVII no vilarejo de Cabrières d’Avignon, a 33 quilômetros da cidade de Avignon, na Provence. Nenhum dos dois fala francês. Mas estavam inebriados por filmes como A Glória de Meu Pai e O Castelo de Minha Mãe. Estudaram a culinária local, pesquisaram os ingredientes da estação, experimentaram o perfume de cada vinho. E de novo inventaram sua nouvelle vie. Nesse ano, alugaram uma casa na Itália e outra na França. Levarão um grupo para a Toscana e outro para a Provence. No ano que vem querem instalar-se em alguma cozinha cheirosa de uma ilha grega. Al Mondo (www.almondo.com.br) é o nome do melhor de todos os seus sonhos, porque é um sonho que deixou de ser. Não por desistência, a causa mortis mais frequente dos sonhos, mas por coragem.
Depois que tudo dá certo, parece fácil. Mas a vida de cada um de nós se decide é muitos meses e até anos antes, quando a gente não sabe se vai dar certo. E mesmo assim percebe que a coisa mais inteligente a fazer é tirar a cabeça do lugar antes que seja tarde. Eu mesma me arrependo de várias coisas, mas nunca de ter tirado a cabeça do lugar. Toda vez que o senso comum achou que eu estava destrambelhando fui parar num ponto interessante da vida.
Suzi e Marcelus não sabiam se daria certo, mas tinham certeza que fizeram tudo para que desse certo. Marcelus sempre foi um pouco como o ratinho do Ratatouille, sentindo aromas pelas cozinhas. Quando se aventurou em Londres, trabalhou nas cozinhas de pubs e restaurantes, como tantos imigrantes. Mas, diferente da maioria, aproveitou para observar e aprender. Em Porto Alegre, passou anos fazendo as compras de uma cooperativa ecológica, saía com a caminhonete por estradinhas de terra pelo interior do Rio Grande trocando ideias junto ao fogão a lenha dos produtores. Quando se estabeleceu na loja, começou a viajar para fazer cursos de culinária.
Suzi e sua irmã, Sandra, são as melhores vendedoras que eu conheço. Já andei muito por aí, mas nunca vi nada igual. Filhas de alfaiate, elas conhecem os tecidos, os cortes, as texturas. São talentosas no gosto, sabem comprar as peças certas e, principalmente, sabem vender. São boas de conta, não lembro de tê-las visto perdendo dinheiro. Suzi é uma mulher que sonha com os dois pés metidos em sapatos interessantes, mas com os saltos bem fincados no chão.
Foi com tudo o que são que Suzi e Marcelus mudaram o cardápio de sua vida. Eles seguem morando em Ijuí, a loja acaba de se mudar para uma casa grande, com uma cozinha profissional no piso superior, onde Marcelus dá cursos à noite e prepara jantares por encomenda. Suzi e Marcelus têm família e amigos na cidade, acham que Ijuí garante uma qualidade de vida que não teriam em outro lugar. Passam o ano dando duro na loja, experimentando receitas, degustando vinhos, assistindo filmes, estudando livros, selecionando músicas. Quando chega a primavera, fazem as malas e acordam numa casa com vista para o mundo.
Na despedida do último hóspede, antes de voltar para Ijuí, eles viajam uma derradeira vez. Vão em busca do pedaço do planeta onde acordarão na primavera seguinte."

ELIANE BRUM
Repórter especial de ÉPOCA, integra a equipe da revista desde 2000. Ganhou mais de 40 prêmios nacionais e internacionais de Jornalismo. É autora de A Vida Que Ninguém Vê (Arquipélago Editorial, Prêmio Jabuti 2007) e O Olho da Rua (Globo).

P.S.: Obrigada, Nando!

quarta-feira, 31 de março de 2010

Miss Imperfeita

"Eu não sirvo de exemplo para nada, mas, se você quer saber se isso é possível, me ofereço como piloto de testes. Sou a Miss Imperfeita, muito prazer. A imperfeita que faz tudo o que precisa fazer, como boa profissional, mãe, filha e mulher que também sou: trabalho todos os dias, ganho minha grana, vou ao supermercado, decido o cardápio das refeições, cuido dos filhos, marido (se tiver), telefono sempre para minha mãe, procuro minhas amigas, namoro, viajo, vou ao cinema, pago minhas contas, respondo a toneladas de e mails, faço revisões no dentista, mamografia, caminho meia hora diariamente, compro flores para casa, providencio os consertos domésticos e ainda faço as unhas e depilação!
E, entre uma coisa e outra, leio livros.
Portanto, sou ocupada, mas não uma workholic.
Por mais disciplinada e responsável que eu seja, aprendi duas coisinhas que operam milagres.
Primeiro: a dizer NÃO.
Segundo: a não sentir um pingo de culpa por dizer NÃO. Culpa por nada, aliás.
Existe a Coca Zero, o Fome Zero, o Recruta Zero. Pois inclua na sua lista a Culpa Zero.
Quando você nasceu, nenhum profeta adentrou a sala da maternidade e lhe apontou o dedo dizendo que a partir daquele momento você seria modelo para os outros..
Seu pai e sua mãe, acredite, não tiveram essa expectativa: tudo o que desejaram é que você não chorasse muito durante as madrugadas e mamasse direitinho.
Você é, humildemente, uma mulher.
E, se não aprender a delegar, a priorizar e a se divertir, bye-bye vida interessante. Porque vida interessante não é ter a agenda lotada, não é ser sempre politicamente correta, não é topar qualquer projeto por dinheiro, não é atender a todos e criar para si a falsa impressão de ser indispensável. É ter tempo.
Tempo para fazer nada.
Tempo para fazer tudo.
Tempo para dançar sozinha na sala.
Tempo para bisbilhotar uma loja de discos.
Tempo para sumir dois dias com seu amor.
Três dias..
Cinco dias!
Tempo para uma massagem.
Tempo para ver a novela.
Tempo para receber aquela sua amiga que é consultora de produtos de beleza.
Tempo para fazer um trabalho voluntário.
Tempo para procurar um abajur novo para seu quarto.
Tempo para conhecer outras pessoas.
Voltar a estudar.
Para engravidar.
Tempo para escrever um livro que você nem sabe se um dia será editado.
Tempo, principalmente, para descobrir que você pode ser perfeitamente organizada e profissional sem deixar de existir.
Porque nossa existência não é contabilizada por um relógio de ponto ou pela quantidade de memorandos virtuais que atolam nossa caixa postal.
Existir, a que será que se destina?
Destina-se a ter o tempo a favor, e não contra.
A mulher moderna anda muito antiga. Acredita que, se não for super, se não for mega, se não for uma executiva ISO 9000, não será bem avaliada. Está tentando provar não-sei-o-quê para não-sei-quem.
Precisa respeitar o mosaico de si mesma, privilegiar cada pedacinho de si..
Se o trabalho é um pedação de sua vida, ótimo!
Nada é mais elegante, charmoso e inteligente do que ser independente.
Mulher que se sustenta fica muito mais sexy e muito mais livre para ir e vir. Desde que lembre de separar alguns bons momentos da semana para usufruir essa independência, senão é escravidão, a mesma que nos mantinha trancafiadas em casa, espiando a vida pela janela.
Desacelerar tem um custo. Talvez seja preciso esquecer a bolsa Prada, o hotel decorado pelo Philippe Starck e o batom da M.A.C.
Mas, se você precisa vender a alma ao diabo para ter tudo isso, francamente, está precisando rever seus valores.
E descobrir que uma bolsa de palha, uma pousadinha rústica à beira-mar e o rosto lavado (ok, esqueça o rosto lavado) podem ser prazeres cinco estrelas e nos dar uma nova perspectiva sobre o que é, afinal, uma vida interessante'
(Martha Medeiros)

quarta-feira, 17 de março de 2010

Mistérios do orgasmo feminino

As mulheres têm se ocupado muito desse assunto nos últimos tempos... Diria que 90% delas sem o menor conhecimento de causa... De qualquer forma, não sou parâmetro, pois tenho uma visão bastante objetiva do assunto quando se trata do meu corpo. Quase não resisto e comento no blog da Andréa (http://wunschelrute.blogspot.com/2010/03/ponto-g-isele.html)... Poupei-a, pois achei que iria detonar com a caixa postal, embora goste muito de provocar discussões! rs
De qquer forma, repasso o texto abaixo...
Interessante, perspicaz, bem escrito e que deve ser lido ATENTAMENTE, mulherada!

Mistérios do orgasmo feminino

Mulheres podem atingir o prazer intenso por meio de grande variedade de estímulos, mas algumas têm dificuldade de experimentar a excitação e o tão almejado clímax

Cientistas de várias especialidades se ocuparam deste assunto desde sempre, a começar, é claro, pelo velho e genial Sigmund Freud, que sobre mulheres e gozo, especificamente, chegou a esta conclusão: o orgasmo clitoridiano seria precário, uma fixação na sexualidade infantil, enquanto o orgasmo vaginal estaria associado à genitalidade e maturidade psíquica da mulher. É verdade que deixou em aberto sua angústia sobre o sexo feminino, seus gozos e frustrações ou mistérios, tanto que fez a famosa pergunta: Afinal, o que querem as mulheres? As feministas não se cansam de lembrar dessa passagem de Freud. Algumas a levam tão a sério que escrevem livros tentando responder a essa questão, como a americana Erica Jong, que publicou O que querem as mulheres, na década de 90, quando estava beirando os 50 anos. A autora fez história com o célebre Medo de voar (Editora Record), sobre a liberação feminina nos anos 60.
Enquanto Freud se concentrava nos estudos do orgasmo, pesando os méritos do gozo clitoridiano versus o vaginal, quantas desconhecidas não estariam chegando ao clímax, com mais ou menos fantasias? Simplesmente porque a fisiologia feminina e o cérebro, o centro do orgasmo de ambos os gêneros, funciona de forma muito particular.
A mulher e seu corpo, há muito contraditam versões estereotipadas sobre a sexualidade e desmentem as regras ditadas por teóricos e experimentalistas sobre o assunto. Mas, finalmente, nas duas últimas décadas, pesquisadores têm confirmado que a estimulação sexual feminina pode ter caminhos diferentes. E, com ou sem parceiro, pode incrementar sua vida sexual permitindo que as sensações de seu corpo a guiem em direção a esses caminhos que trazem o prazer e, finalmente, o orgasmo.
No estudo que foi um divisor de águas na década de 60, os pesquisadores da sexualidade, Masters e Johnson, estabeleceram algumas características da reação fisiológica feminina à atividade sexual. Eles descobriram que, durante a excitação, a respiração, a pressão sangüínea e a freqüência cardíaca aumentam. O sangue flui para a vulva e o útero sobe à medida que a parte superior do balão vazio, que é a vagina, se abre. No orgasmo, toda a região pélvica se contrai, involuntariamente. Segundo os estudiosos, o clitóris, um pequeno órgão erétil próximo à parte frontal da vulva, desempenha papel central na excitação.
Na virada da década de 80 para a de 90, os cientistas identificaram outras rotas para o orgasmo, como o ponto G, uma região de sensibilidade extrema, localizada na parede frontal da vagina, a poucos centímetros da entrada. Estimular essa região poderia gerar grande excitação e até mesmo o orgasmo. Algumas mulheres ainda liberam fluido da uretra, quando estimuladas na área vaginal. Muitas sentem intenso prazer com isso, observa a sexóloga Beverly Whipple, da Universidade Rutgers. “Existem mulheres que sentiam haver algo errado com elas e se submeteram à cirurgia para impedir a expulsão do líquido. Mas essas são variações normais. O problema é que, historicamente, fomos levadas a acreditar que existia apenas uma maneira de reagir sexualmente”, afirma.
Existem outras vias no corpo feminino que levam ao orgasmo. A estimulação próxima da região vaginal oferece prazer intenso a muitas delas, e até orgasmo. Outras podem chegar ao clímax com o estímulo de partes do corpo distantes dos genitais. O bico dos seios é um desses pontos-chave, sem dúvida, a região do pescoço e a nuca também podem ser pontos de sensibilidade diferenciado, dependendo da mulher. “Existem bibliotecas cheias de material sobre o clitóris, a vagina e o ponto G, mas outras partes do nosso corpo também estão repletas de potencial erótico”, lembra a terapeuta sexual, Gina Ogden, de Cambridge, Massachusetts. “Eu não quero propor, com isso, que as mulheres que não sentem orgasmo saiam em uma excursão pelo corpo, tentando achá-lo, mas é importante saber quais são as possibilidades.”
Ogden, Whipple e o neurocientista comportamental Barry R. Komisaruk, da Rutgers, mediram mudanças fisiológicas, tais como pressão sangüínea, freqüência cardíaca e diâmetro da pupila em sete mulheres que podiam ter orgasmos com auto-estimulação genital ou apenas com alguma fantasia. Mais da metade das examinadas conseguiam alcançar por toque extragenital, mas elas são, provavelmente, raras. Ogden descobriu que algumas podiam atingi-lo sem se tocar. Os pesquisadores concluíram que ao se excitar, mesmo que com ajuda apenas do pensamento, é possível experimentar no corpo uma sensação de intenso prazer, similar à que se sentiria tocando os genitais. Estudos com a finalidade de aperfeiçoar a qualidade de vida de mulheres com traumatismo na medula espinhal sugeriram que a diversidade de orgasmos está associada também à neurobiologia básica. Mulheres com essas lesões, que em princípio apresentariam comprometimento na transmissão das mensagens dos genitais à medula, podem experimentar orgasmos com estimulação das regiões cervical, vaginal ou clitoridiana. Esses achados apontam a existência de caminhos neurológicos adicionais que levam ao orgasmo.
 
Sem orgasmo
Embora se observe essa variedade de caminhos e métodos pelos quais as mulheres podem atingir o orgasmo, muitas de fato nunca experimentaram um, enquanto outras não chegam ao clímax durante a relação sexual com o parceiro, mas podem chegar por meio da masturbação. Estudos e pesquisas sobre o funcionamento e comportamento sexual feminino, desde Masters e Johnson nos anos 60, e o Relatório Hite, dos anos 70 em diante, acumularam informação, e mesmo que seus resultados tenham sido coletados de forma imprecisa, por meio de auto-relatórios, depoimentos e estatísticas não randômicas, estabeleceram algum conhecimento. Eles estimam que 5% a 15% das mulheres sexualmente ativas nunca tiveram orgasmo. Nada estaria fundamentalmente errado com elas, do ponto de vista fisiológico. O tamanho do clitóris, sua distância da abertura vaginal, e outras variações anatômicas não têm correlação com a capacidade de ter orgasmos, diz o psicólogo social Clive M. Davis, da Universidade de Syracuse, EUA.
Muitos fatores podem comprometer a habilidade de uma mulher em alcançar o orgasmo, incluindo algumas doenças e intervenções médicas. Até dez anos atrás, por exemplo, cirurgiões faziam histerectomia, removendo o colo do útero, assim como o restante do órgão, a fim de prevenir o câncer cervical. Mas em muitas mulheres, essa região é extremamente sensível e importante para o prazer sexual. É recente a realização de histerectomias supracervicais, que mantêm o colo do útero intacto, observa Sadja Greenwood, professora da Universidade da Califórnia, em São Francisco. Algumas drogas psicoativas e anti-hipertensivas também comprometem o orgasmo, assim como disfunções hormonais. Se uma mulher é saudável, está livre de distúrbios conhecidos por obstruir o orgasmo. As razões pelas quais não consegue atingir o clímax, provavelmente têm origens emocionais ou psicossociais, observa a assistente clínica Linda P. Alperstein, de São Francisco.
 
Entrega e disfunções
Muitas mulheres sofrem de depressão, mas não se dão conta, a não ser quando o parceiro se queixa de sua falta de desejo. O transtorno disfórico pré-menstrual, a gravidez, o puerpério e a transição para a menopausa, são condições que comprometem substancialmente o desejo feminino, lembra a psiquiatra Carmita Abdo, responsável pelo Projeto Sexualidade (Prosex), do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo (USP). Ela acrescenta, porém, que 60% das disfunções sexuais femininas são de origem secundária, ou seja, são adquiridas no relacionamento, dependendo do parceiro. Baseada em pesquisas recentes sobre o comportamento sexual dos brasileiros, a psiquiatra observa que 25,8% dos homens têm queixa de ejaculação precoce e 45% apresentam algum grau de disfunção erétil.
Estudiosos da sexualidade conjeturam sobre as diferenças de expressão do desejo e excitação entre os sexos e quanto as mulheres podem influir no desenvolvimento satisfatório da relação sexual. “O homem tem duas fontes de desejo, que são a fantasia e o olhar, enquanto elas dependem do tato, da atenção, da palavra, do ouvir, para manter o interesse ao longo do ato sexual”, diz a médica, citando pesquisas da especialista canadense em sexualidade, Rose Marie Basson, que reinterpretou o ciclo de resposta sexual estabelecido pelo casal pioneiro dos estudos da sexualidade humana, Master e Johnson.
Mesmo que se sinta confortável com o parceiro, e independentemente da estimulação que funcione para ela, distrações da mente podem interferir no processo orgásmico. “As mulheres podem ficar ansiosas ou preocupadas com a duração da relação ou com seu corpo. Muitos ingredientes entram na mistura que permite a elas experimentar o prazer que leva ao orgasmo”, observou Lonnie Barbach, sexóloga americana. Não são raras as vezes em que ficam excitadas, mas têm problemas para relaxar. “O problea é que há mulheres que querem parecer a Monalisa, e não uma gárgula, quando está tendo um orgasmo, mas essa preocupação em se manter no controle pode atrapalhar”, observa Alperstein. “Na maior parte do tempo, tentamos lutar contra a entrega.”
Raiva, fadiga, stress e depressão interferem particularmente no orgasmo. Traumas anteriores, tais como estupro ou abuso sexual, também impõem barreiras. “Um bom funcionamento sexual não é atestado de boa saúde mental, e funcionamento sexual problemático não é atestado de problemas emocionais”, diz Alperstein. “Você pode ter problemas para obter orgasmo, que não são psicológicos ou emocionais”. Algumas mulheres precisam de terapia para lidar com as questões fundamentais que as impedem de experimentar o clímax, enquanto outras podem beneficiar-se de informação educacional e da prática, sustenta Barbach.
Para a maioria, a chave está em reconhecer que seu corpo é o melhor professor. “A melhor maneira para ter um orgasmo é aprendendo sobre seu corpo por meio da masturbação”, diz a sexóloga Betty Dodson, de Nova York. “Uma vez encontrado o que funciona para ela, pode compartilhar essa informação com seu parceiro.” Essa abordagem ostenta altos índices de satisfação. “A idéia é focar no prazer, não em conseguir o orgasmo”, conclui Barbach.
 
Estado de frenesi
Durante experiência em laboratório, o neurocientista Jim Pfaus, da Universidade Concórdia de Montreal, no Canadá, administrou experimentalmente, o afrodisíaco sintético bremelanotide ou PT-141 em ratas. Normalmente contidas, sob o efeito desse composto, elas corriam até os pasmos machinhos e os provocavam com caretas esquisitas e toques de vibrissas nos focinhos deles. Se o macho não respondia às investidas, a performance da rata aumentava em ritmo e em intensidade. Se ainda assim ele persistia plantado no lugar, a rata sapecava-lhe um tapa no focinho. A estratégia dava certo. O macho disparava atrás dela e a satisfazia pela cópula.

Saiba mais:
Descobrimento sexual do Brasil. Carmita Abdo. Summus Editorial, São Paulo, 2004.
Amor e orgasmo: guia revolucionário para a plena realização. Alexande Lowen. Summus/ Agora, Rio de Janeiro, 1991.

(Disponível em: http://www2.uol.com.br/vivermente/noticias/misterios_do_orgasmo_feminino_5.html, acesso em 17.03.10)

Por que escrevo?!

"Por que escrevo?
... Escrevo para ser feliz. Bartheanamente, para ter prazer. Sabor do saber. Tanto que, uma vez publicado, o texto já não me pertence. É como um filho que atingiu a maturidade a saiu de casa. Já não tenho domínio sobre ele. Ao contrário, são os leitores que passam a ter domínio sobre o autor. Nesse sentido, toda escritura é uma oblação, algo que se oferta aos outros. Oferenda narcísica de quem busca superar a devastação da morte. O texto eterniza o seu autor.
Escrevo também para sublimar minha pulsão e dar forma e voz à babel que me povoa interiormente. A literatura é o avesso da psicanálise. Quem vai ao divã é o leitor-analista. Deitado ou recostado, ouve nossas confidências, decifra nossos sonhos, desenha nosso perfil, apreende nossos anjos e demônios. Por isso, assim como os psicanalistas evitam relações de amizade com seus pacientes, prefiro manter-me distante dos leitores. Não sou a obra que faço. Ela é melhor e maior do que eu. No entanto, revela-me com uma transparência que jamais alcanço na conversa pessoal. Tenho medo do olhar canibal dos leitores, como se a minha pessoa pudesse corresponder às fantasias que forjam a partir da leitura de meus textos. Tenho
medo também de minha própria fragilidade.
O texto tece o tecido de minha couraça. Com ele me visto, nele me abrigo e agasalho. é o meu ninho encantado. Privilegiado belvedere do qual contemplo o mundo. Dali posso ajustar as lentes do código alfabético para falar de religião e política, de arte e ciências, de amor e dor. Recrio o mundo. Por isso,
escrever exige certo distanciamento.
"... Ainda assim, prossigo me perguntando: por que escrevo? E tenho ânsias de confessar que, no fundo, é para impedir que se cure a loucura que, por trás dessa aparente normalidade, faz de mim um homem embriagadoramente alucinado."
(Frei Betto - Caros Amigos set./2002)