"Por que escrevo?
... Escrevo para ser feliz. Bartheanamente, para ter prazer. Sabor do saber. Tanto que, uma vez publicado, o texto já não me pertence. É como um filho que atingiu a maturidade a saiu de casa. Já não tenho domínio sobre ele. Ao contrário, são os leitores que passam a ter domínio sobre o autor. Nesse sentido, toda escritura é uma oblação, algo que se oferta aos outros. Oferenda narcísica de quem busca superar a devastação da morte. O texto eterniza o seu autor.
Escrevo também para sublimar minha pulsão e dar forma e voz à babel que me povoa interiormente. A literatura é o avesso da psicanálise. Quem vai ao divã é o leitor-analista. Deitado ou recostado, ouve nossas confidências, decifra nossos sonhos, desenha nosso perfil, apreende nossos anjos e demônios. Por isso, assim como os psicanalistas evitam relações de amizade com seus pacientes, prefiro manter-me distante dos leitores. Não sou a obra que faço. Ela é melhor e maior do que eu. No entanto, revela-me com uma transparência que jamais alcanço na conversa pessoal. Tenho medo do olhar canibal dos leitores, como se a minha pessoa pudesse corresponder às fantasias que forjam a partir da leitura de meus textos. Tenho
medo também de minha própria fragilidade.
O texto tece o tecido de minha couraça. Com ele me visto, nele me abrigo e agasalho. é o meu ninho encantado. Privilegiado belvedere do qual contemplo o mundo. Dali posso ajustar as lentes do código alfabético para falar de religião e política, de arte e ciências, de amor e dor. Recrio o mundo. Por isso,
escrever exige certo distanciamento.
"... Ainda assim, prossigo me perguntando: por que escrevo? E tenho ânsias de confessar que, no fundo, é para impedir que se cure a loucura que, por trás dessa aparente normalidade, faz de mim um homem embriagadoramente alucinado."
(Frei Betto - Caros Amigos set./2002)
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