quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Reflexo

"Se sou amado,
quanto mais amado
mais correspondo ao amor.

Se sou esquecido,
devo esquecer também,
Pois amor é feito espelho:
tem que ter reflexo."

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Nada mais me (en)cobre,
só a vontade de ti.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Moralismo

Ele: Adoro a expressão "fui pra cama"... Perde todo o tom moralista que carrega quando dito por uma mulher que fala de si, como tu...
Ela: Perde?!...
Não gostas do que parece e pode não ser
e eu não gosto do que não aparece, ainda que seja...
Ele: Linda é a paz da mulher que caminha nua, e sem se saber vista, pela casa...
Ela: Galanteador e sensível é o homem que sabe o momento certo da intimidade a dois para, parafraseando Drummond, encantar a mulher que está ao seu lado...

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Volúpia

"No divino impudor da mocidade,
Nesse êxtase pagão que vence a sorte,
Num frêmito vibrante de ansiedade,
Dou-te o meu corpo prometido à morte!

A sombra entre a mentira e a verdade...
A nuvem que arrastou o vento norte...
- Meu corpo! Trago nele um vinho forte:
Meus beijos de volúpia e de maldade!

Trago dálias vermelhas no regaço...
São os dedos do sol quando te abraço,
Cravados no teu peito como lanças!

E do meu corpo os leves arabescos
Vão-te envolvendo em círculos dantescos
Felinamente, em voluptuosas danças..."
(em Charneca em Flor)
Fico lembrando das raras vezes em que conversamos...
Sempre notei uma ponta de lascívia no desenho da tua boca
ao sorrir ou ao conter o riso.

É, como diria Nelson Rodrigues:
"Só o rosto é indecente. Do pescoço para baixo, podia-se andar nu."

Apenas metade


Ele: Eu seria, sei lá, hipócrita, se dissesse que não vejo importância na consideração dos valores dessa 'sociedade', que não vejo até beleza nessa mediocridade (que te sufoca, vejo). O que haveria de transgressão não fossem os limites? Não me arrependo de, em nome desses valores, desses bons modos, não ter outrora te beijado a boca... Foi tão bom esperar! É como a música de protesto do Chico Buarque. Que seria dele não fosse a repressão? Metade do que é...

Ela: É que a minha sensação de inadequação reside justamente nisso. Respeito porque assim o exige o convívio social; me submeto até, mas nunca pacificamente. Se concordasse, mansa, aí sim, seria, talvez, metade... Gostarias de apenas metade de mim?! Eu seria mais feliz? Te faria feliz?

domingo, 19 de fevereiro de 2012

Deboche

Contigo sempre evitei ser debochado,
mesmo nas brincadeiras mais banais,
simplesmente porque teus sorrisos me desconcertavam.

sábado, 18 de fevereiro de 2012

Fantasia

 
Ele: Sabes, é engraçado, contigo não sinto nenhuma necessidade de me camuflar nos teus gostos, desejos, linguagem, nada... Me sinto eu mesmo... Admiro tua linguagem sutil, sugestiva, que insinua, mas jamais é bruta, chula, como a minha... mas não sinto a menor vontade de te imitar...
Ela: Mas nem espero mesmo que imites... Gosto justamente de como despertas em mim sentimentos variados: de ser tua puta, teu amor, ficar brava, te agradar, me sentir envergonhada, invadida, investigada...
Ele: Eu sei que não queres, mas quando o macho conquista, às vezes, é obrigado (ou se obriga) a se camuflar, para não perder o objetivo final: levar à cama. Contigo é diferente... sinto como se para te conquistar eu não precisasse mais que meu encantamento.

Multiplicidade

Ela: Vivo em constante eclipse, talvez daí a melancolia...
Ele: Não se preocupe... nunca é total... tuas partes nunca escondem completamente umas às outras.

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Raízes

"O almoço de domingo era sempre um almoço especial. Naquele dia comiam na sala de jantar, espaçosa e clara, e tomavam todo cuidado para não derramar nenhuma migalha na linda toalha de linho bordado. Nos domingos, a mãe tirava da cristaleira as finas porcelanas brancas e douradas, decoradas com florzinhas cor-de-rosa, e os guardanapos de linho branco tinham os mesmos bordados que a toalha da mesa.
[...]
O almoço de domingo não tinha hora para terminar. Comeram devagar, o mais que puderam. Então a mãe ainda trouxe as sobremesas: uma grande vasilha de espuma de sapo, feita de leite, açúcar e ovos batidos em neve, outra vasilha com pudim de leite e a grande tigela de vidro verde com compota de pêssego."
(em No Tempo das Tangerinas, p. 21)

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Do que é bom ouvir e do que se deve falar


Não gostaria de nada profilático, mas apenas da atmosfera do dia em que resolvi bater à tua porta e realizar desejos antigos...
E agora, ainda, acrescida da ternura de querer passear o indicador sobre teu corpo ao te acordar...
(Do que é bom de ouvir)

Confessou que sabia ser inútil pedir, mas gostaria de encontrá-la - e à sua casa e ao seu quarto - como num dia comum: a unha quebrada, os sapatos espalhados, a calcinha surrada, o pão a ser comprado com a manteiga... tudo isso que lhes daria a sensação de que a fatalidade do amor (tão esperado que já transbordava) suplanta a desordem da vida.
(Do que se deve falar)

domingo, 12 de fevereiro de 2012

Preciso de ti

"Preciso sim, preciso tanto. Alguém que aceite tanto meus sonos demorados quanto minhas insônias insuportáveis. Tanto meu ciclo ascético Francisco de Assis quanto meu ciclo etílico bukovskiano. Que me desperte com um beijo, abra a janela para o sol ou a penumbra. Tanto faz, e sem dizer nada me diga o tempo inteiro alguma coisa como eu sou o outro ser conjunto ao teu, mas não sou tu, e quero adoçar tua vida. Preciso do teu beijo de mel na minha boca de areia seca, preciso da tua mão de seda no couro da minha mão crispada de solidão. Preciso dessa emoção que os antigos chamavam de amor, quando sexo não era morte e as pessoas não tinham medo disso que fazia a gente dissolver o próprio ego no ego do outro e misturar coxas e espíritos no fundo do outro-você, outro-espelho, outro-igual-sedento-de-não-solidão, bicho-carente, tigre e lótus. Preciso de você que eu tanto amo e nunca encontrei. Para continuar vivendo, preciso da parte de mim que não está em mim, mas guardada em você que eu não conheço. Tenho urgência de ti, meu amor. Para me salvar da lama movediça de mim mesmo. Para me tocar, para me tocar e no toque me salvar. Preciso ter certeza que inventar nosso encontro sempre foi pura intuição, não mera loucura. Ah, imenso amor desconhecido. Para não morrer de sede, preciso de você agora, antes destas palavras todas caírem no abismo dos jornais não lidos ou jogados sem piedade no lixo. Do sonho, do engano, da possível treva e também da luz, do jogo, do embuste: preciso de você para dizer eu te amo outra e outra vez. Como se fosse possível, como se fosse verdade, como se fosse ontem e amanhã."

(disponível em http://semamorsoaloucura.blogspot.com/2006/09/crnica.html)
"Os homens aprendem a amar
as pessoas por quem se sentem atraídos
e as mulheres sentem-se cada vez mais atraídas
pela pessoa que amam."
(de Sexo, Mentiras e Videotape)

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Vocês já repararam?

"Nos salões do sonho não há espelhos..."
(em Da preguiça como método de trabalho, p. 117)

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

A diferença entre o remédio e o veneno está na dose

Descobri recentemente - em função de questões familiares - que as pessoas submetidas a tratamento radioterápico, na tentativa de cura do câncer, podem sê-lo por uma quantidade limitada.
Estudos feitos por especialistas depois do ocorrido em Hiroshima e Nagazaki, foram conclusivos em apontar que a radiação pode ser usada como tratamento até esse determinado limite que, quando ultrapassado, podem causar efeitos devastadores sobre o corpo, que pode ser herdado pelos desendentes, o que dispensa comentários, pois as fotos herdadas por toda a Humanidade depois desse abominável incidente, falam por si sós.
Definitivamente, a diferença entre o remédio e o veneno está na dose...

Foi então que lembrei da maravilhosa música de Vinícius de Moraes, aqui cantada pelo meu intérprete favorito:


Mãe, que Deus te proteja e guie as mãos daqueles que cuidarão de ti hoje!

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

"Traça a reta e a curva,
a quebrada e a sinuosa
Tudo é preciso.
De tudo viverás.

Cuida com exatidão da perpendicular
e das paralelas perfeitas.
Com apurado rigor.
Sem esquadro, sem nível, sem fio de prumo,
traçarás perspectivas, projetarás estruturas.
Número, ritmo, distância, dimensão.
Tens os teus olhos, o teu pulso, a tua memória.

Construirás os labirintos impermanentes
que sucessivamente habitarás.

Todos os dias estarás refazendo o teu desenho.
Não te fatigues logo. Tens trabalho para toda a vida.
E nem para o teu sepulcro terás a medida certa.

Somos sempre um pouco menos do que pensávamos.
Raramente, um pouco mais."

(em O Estudante Empírico - 1959-1964)

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

A filosofia a serviço da vida

Li essa entrevista na Revista Lola de dezembro e gostei muito do viés por meio do qual o papel da religião é abordado (e por um ateu)!
De minha parte, creio ser necessário cultivar espiritualidade, fé... mas isso, até que possamos fazer nossas escolhas e caminhar com nossas próprias pernas, deve nos ser transmitido de alguma forma... 
Enfim, leiam e tirem suas próprias conclusões:

Alain de Botton: a filosofia a serviço da vida



O filósofo Alain de Botton na escadaria da Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro (foto: Orestes Locatel)

Ele se assume um escritor de autoajuda, e com orgulho. Diz fazer parte do renascimento do gênero, renegado ao limbo intelectual no século XIX, com o advento das universidades modernas, e dominado nas últimas décadas por mercenários vendedores de fórmulas milagrosas – e obviamente irreais. Para o filósofo suíço radicado em Londres Alain de Botton, o ser humano precisa mais do que nunca que alguém lhe diga como lidar com a vida e com o desespero: não com promessas de grandes conquistas, mas com a constatação de como somos infortunados e infelizes. E não só isso. Precisa aprender a viver em comunidade e que alguém lhe diga como se comportar. Precisa que a voz doce e grave de uma religião lhe faça agir como uma criança obediente. “Nós somos todos vulneráveis e infantis por dentro. E, como crianças, precisamos ser lembrados do que é bom para nós”, diz. São lições como essa que ele dá em Religião para Ateus (tradução de Vitor Paolozzi, Intrínseca, 272 páginas, 19,90 reais), livro recém-lançado no país e que Botton aproveitou para divulgar em sua passagem pelo Brasil – onde participou do seminário Fronteiras do Pensamento, na última semana, e tanto se admirou com a arquitetura do Rio como se chocou com as disparidades sociais e o urbanismo de São Paulo. “Algumas elites são refinadas em um nível tão alto como só podem ser em sociedades profundamente desiguais: São Paulo”, escreveu em seu perfil no Twitter, para desgosto dos paulistanos.

No livro, o último de uma vasta e bem vendida obra, o filósofo examina princípios de três religiões – Catolicismo, Judaísmo e Budismo – para pinçar lições de vida para seus leitores. Segundo ele, o padrão intelectual hoje dominante na sociedade empurra a muitos para a secularidade, em prejuízo de conceitos e ideias de origem religiosos benéficos à vida individual e coletiva. Visto com cautela por uns, incensado por outros, Alain de Botton discorre sobre como as religiões e a filosofia podem nos ajudar a viver, discurso presente tanto em seus livros como em suas entrevistas. Confira abaixo sua conversa com VEJA Meus Livros.
 
No começo de Religião para Ateus, você diz que os ateus têm exagerado no intelectualismo e na racionalidade e que, para eles, ler um livro de autoajuda se tornou algo absurdo. O senhor é a favor dos livros de autoajuda?
O ponto de partida das religiões é que somos crianças e que precisamos de orientação. O mundo secular em geral se ofende com isso. Essa postura ofendida pressupõe que todos os adultos são maduros e devem odiar o didatismo, a orientação e a instrução moral. Mas é claro que somos crianças, grandes crianças que precisam de orientação, de guias que nos lembrem como devemos viver, embora o sistema de educação moderna negue isso, ao nos tratar como seres demasiadamente racionais, razoáveis e controlados. Nós somos muito mais desesperados do que o nosso sistema de educação reconhece. Todos estamos à beira do pânico e do terror quase todo o tempo – e a religião reconhece isso. Nós precisamos construir uma consciência semelhante a esta no mundo secular. Em meu livro, eu defendo que a fé em Deus não é plausível e, para mim e outros, é simplesmente impossível.
 
Como não ter fé e usufruir da sabedoria ofertada pelas religiões?
Eu sugiro que, se você abdicar da sua fé, vai se abrir para uma série de perigos particulares, nos quais não precisamos cair e aos quais temos que ficar alertas. Em primeiro lugar, tem o perigo do individualismo: o lugar do ser humano no centro de tudo. Em segundo, o perigo do perfeccionismo tecnológico, da crença na tecnologia e na ciência como remédio para todos os problemas humanos. Em terceiro lugar, sem Deus, corremos o risco de perder perspectiva e de ver o presente como tudo, de esquecer a brevidade do momento e de deixar de apreciar – no bom sentido – a minúscula natureza das nossas realizações. Por último, sem Deus, há o risco de a necessidade de empatia e ética seja negligenciada. Agora, é importante ressaltar que é bastante possível não acreditar em Deus e não perder de vista essas questões – da mesma forma como um crente pode ser um monstro. Eu simplesmente quero chamar atenção para algumas carências que surgem em nossa sociedade quando dispensamos Deus bruscamente. Nós podemos renunciar à fé, mas não devemos abdicar da simpatia, do cuidado do pensamento. Quanto à literatura de autoajuda, ela está na base desse mundo e eu a acho interessante.
 
O senhor se considera um autor de autoajuda?
Não há gênero literário mais ridicularizado que a autoajuda. Admita que você recorre a títulos do tipo e você vai atrair a suspeita e a fúria de todos os que querem ser vistos como cultivados. Para piorar, como se estivessem imbuídos da missão de negar à categoria um traço que seja de respeitabilidade, os editores de autoajuda cobrem os livros com horrendas capas sensacionalistas e os vendedores, nas livrarias, os escondem perto da seção de obras sobre mente, corpo e espírito, onde eles se misturam a uma indistinta massa de espinhas roxas e rosa. Mas não foi sempre assim. Por dois mil anos na história ocidental, o livro de autoajuda foi o produto máximo da realização literária. Os antigos eram particularmente adeptos. Na Grécia, Epicuro escreveu cerca de trezentos livros de autoajuda e falou de quase todos os temas, como o amor, a justiça e a vida. Em Roma, o estoico Sêneca escreveu conselhos de como lidar com a raiva (no ainda muito legível Sobre a Raiva), com a morte de uma criança (Consolação de Marcia) e como superar reveses políticos e financeiros (Carta para Lucilius). E não seria injusto descrever as meditações de Marco Aurélio como um dos melhores textos de autoajuda já escritos, tão relevante para quem enfrenta uma crise financeira quanto para quem vive a a desintegração de um império.

Então, o que explica a visão que se tem hoje do gênero?
Um fator importante foi o desenvolvimento do sistema universitário moderno, que em meados do século 19 se tornou o principal empregador de filósofos e intelectuais, já não mais recompensados por suas ideias uteis ou consoladoras, mas pelos dados precisos que forneciam. Teve início aí uma obsessão com a exatidão da informação e uma aversão ao conceito de utilidade. A ideia de se formar um filósofo ou historiador, a fim de se tornar um sábio – algo inteiramente natural para os nossos ancestrais – passou a ser risível, irreal e adolescente. Ao mesmo tempo, e com contribuição desse sistema universitário moderno, a sociedade se secularizava e entendia que o ser humano poderia administrar por conta própria as questões relativas à vida e à morte. Bastava confiar no bom senso, ter um bom contador e consultar um médico competente, de acordo com a fé na ciência. Os cidadãos do futuro não precisariam ler textos que lhes dissessem como permanecer calmos ou livres de ansiedade. Universidades, embora comumente descritas como as novas igrejas, deixaram de oferecer aquilo em que as religiões sempre focaram: a salvação da alma. Em vez disso, elas simplesmente nos introduziram a um mundo governado pela informação. Vá a uma universidade hoje na esperança de encontrar respostas para os grandes dilemas da vida e os acadêmicos vão rir de você. Ou chamar uma ambulância.
 
E assim a autoajuda foi abandonada aos tipos curiosos que fazem sucesso atualmente: gente que reveste a mensagem cristã para nos prometer o céu financeiro se acreditarmos em nós mesmos, tivermos fé, trabalharmos duro e não nos desesperarmos. Ou àqueles com um conhecimento passageiro de budismo, psicanálise ou taoísmo. O que une os adeptos modernos é o seu feroz otimismo. Eles supõem – o que é grave – que a melhor forma de ajudar alguém é dizer que tudo ficará bem. Eles estão totalmente distantes do espírito de seus mais nobres antecessores, que sabiam que o caminho mais eficaz para fazer alguém se sentir bem é dizer que as coisas estão tão ruins quanto antes ou piores do que eles jamais haviam imaginado. Ou, como Sêneca coloca: “Que necessidade há de chorar por partes da vida? Ela inteira se chama lágrima”.
 
Há lugar para a autoajuda no mundo atual?
Nós hoje precisamos de livros de autoajuda mais do que nunca, então parece muito triste que os nossos escritores mais sérios desdenhem do gênero e que a própria ideia de dizer algo “útil” para o leitor tenha se tornado uma banalidade. Vinte Dicas de Otelo sobre Relacionamentos pode parecer um título – e um projeto – ridículo para um livro, mas imagine que obra seria se Carlyle, Emerson ou Virginia Woolf a escrevesse. Em meio à nossa atual confusão moral e prática, a autoajuda está clamando para ser resgatada e reabilitada. Eu estou orgulhoso de fazer parte dessa nova fase da autoajuda.
 
Em Desejo de Status, você lembra que Schopenhauer preferia a solidão à vulgaridade. Já em Religião para Ateus, você diz que é melhor viver em comunidade do que sozinho. Qual opção é a mais acertada?
Acho que o nosso desejo de comunidade é muito profundo – mas há diferença entre comunidade e opinião pública. Viver sob o julgamento dos outros – especialmente da imprensa – é um tipo de pesadelo. Comunidade é o oposto disso, é ter vizinhos, pessoas que você conhece, amigos de verdade. Disto todos precisamos.
 
Há uma passagem interessante em seu novo livro, em que você diz que hoje é difícil fazer amigos depois dos 30 anos de idade. A solidão é maior nos dias atuais?
Talvez. Nós podemos viver perfeitamente bem no nosso canto a maior parte da nossa vida. Antigamente, nós éramos forçados a interagir com familiares e amigos, porque havia trabalhos como construir casas que precisavam ser feitos em grupo. Agora, você pode ser independente, o que é tanto motivo de celebração como razão para tristeza. Lembre-se ainda de que a solidão também é importante por muitas razões. Não há românticos maiores que aqueles que não têm com quem compartilhar seu romantismo. É quando estamos nas profundezas da solidão, sem a distração do trabalho ou dos amigos, que podemos compreender a natureza e a necessidade do amor. É depois de um final de semana em que o telefone não toca, em que cada refeição é retirada de uma lata e consumida na presença desalentadora da TV, que conseguimos entender o que Platão quis dizer quando escreveu que um homem sem amor é uma criatura pela metade.
 
Em Religião para Ateus, você tira lições do Catolicismo, Judaísmo e Budismo, mas especialmente das duas primeiras doutrinas. Por quê?
Eu gosto da estrutura dessas religiões: o mundo secular acredita que, se nós temos boas ideias, iremos lembrá-las quando for preciso. As religiões não pensam assim. Elas constroem calendários que não nos deixam esquecer datas e conceitos importantes. É para isso que servem os rituais: eles procuram manter vivas coisas que já sabemos que existem, mas das quais podemos nos esquecer. Além disso, as religiões enxergam o ser humano para além do racional, como uma criatura também física e emocional e que precisa ser seduzida pelo corpo e pelos sentidos, não apenas pela mente. Esta sempre foi a grande saca do Catolicismo. Se você quer mudar a cabeça de alguém, não adianta focar apenas as suas ideias.

No livro, você defende o paternalismo como uma solução para nós, diz que poderíamos ser mais nobres uns com os outros se fôssemos controlados. Isso não faria de nós seres infantis? Não seria melhor, para amadurecer, fazer o que Freud metaforicamente chama de “matar” o pai?
Nós somos todos vulneráveis e infantis por dentro. E, como crianças, precisamos ser lembrados do que é bom para nós. Sabemos o que é bom, mas esquecemos. O problema do homem sem religião é que ele se esquece com facilidade das coisas. Nós todos sabemos em teoria que devemos ser bons. O problema é que, na prática, não lembramos. E não nos lembramos disso porque o mundo secular moderno sempre acha que é suficiente dizer algo a uma pessoa uma única vez – seja bom, cuide dos pobres etc. É o oposto do que dizem as religiões: elas insistem que as pessoas precisam de lembretes frequentes, diários ou até mesmo de hora em hora.

Por que nós precisamos de controle?
Nós somos muito frágeis. Toda vez que alguém fala de controle, as pessoas lembram de Hitler e Stalin. Não é por aí. Nós podemos ter moralidade pública sem fascismo, podemos até ter certos tipos de censura (por exemplo, em torno da pornografia) sem ditadura, assim como podemos ter uma grande arquitetura que não seja feita para engrandecer um regime político. É fato que as pessoas ficam assustadas com certas tendências do século XX, mas não devemos ser sempre tão despretensiosos quanto ao que podemos fazer. Nós não precisamos nos entregar ao livre mercado capitalista, sob a liderança espiritual de televisão por cabo.
 
Não existe ética desvinculada da religião?
Nós já superamos a época dos gurus e líderes espirituais. Atualmente, é mais convincente pensar que cabe a cada um de nós adaptar os valores implícitos nas religiões ao nosso dia a dia. Nós podemos contribuir para a construção de novos templos na condição de indivíduos comprometidos e interessados. A salvação da alma de cada um continua sendo um problema sério, até mesmo quando se ignora a existência de Deus. No século XX, o capitalismo foi capaz de sanar os problemas matérias de boa parte da Humanidade. Mas as necessidades espirituais continuam imersas no caos e a religião falha em satisfazer essas necessidades. Esse é o motivo pelo qual eu escrevi meu livro para mostrar que ainda existe um caminho a ser descoberto capaz de disseminar os princípios religiosos no mundo moderno sem apelar para o ocultismo espiritualizado.
 
O senhor diz que os casamentos não dão certo por que as pessoas esperam ser felizes. O que devemos, então, esperar do casamento?
Os casamentos cristãos e judeus, embora nem sempre modernos, são pelo menos vistos como uma salvação contra a impressão errônea de que é errado ou injusto ser infeliz. O Cristianismo e o Judaísmo tratam o casamento como um mecanismo pelo qual os indivíduos assumem uma postura adulta perante a sociedade e não como uma união definida por algo subjetivo. Essa expectativa limitada tende a evitar a ideia de que cada um poderia ter um estilo de vida mais emocionante e interessante. O ideal religioso diz que atritos e momentos de tédio entre os casais não são sinais de que algo não vai bem na vida conjugal, mas sim de que a vida corre de acordo com o previsto.
(por Maria Carolina Maia)

domingo, 5 de fevereiro de 2012

Bela Adormecida e Ferida narcísica

"Alguns casais conseguem manter laços depois de uma separação sem confundir a relação, mas na grande maioria, um deles acaba achando que ainda é mais do que uma amizade. Durante algum tempo, confundem mesmo, mas a confusão faz parte do processo e eles acabam aprendendo o novo código. A história da Bela Adormecida atrapalha um pouco. Isso significa que muitas mulheres acham que o despertar para o sexo e para a feminilidade tem a ver com um príncipe e não com o amadurecimento dela. Na separação, a fantasia acaba e surge o medo de que ela nunca mais seja uma mulher inteira. Isso é o mito do amor único.
Quando envolve traição, é mais difícil que o homem e a mulher consigam ficar amigos depois de uma separação, porque aí a 'ferida narcísica' se soma à dor do sonho abortado. 'Orgulho ferido' pode ser uma tradução aceitável para a 'ferida narcísica', um termo da psicanálise; e toda separação representa a perda de uma ilusão, no caso a do 'felizes para sempre', ou a do 'feitos um para o outro'. A entrada de uma terceira pessoa desmente todas essas ilusões e o casal descobre que não está blindado para tudo aquilo que atinge os casais 'comuns'.  Todo casal acha que é diferente de todos os outros - e se orgulha disso. Quando há filhos, fica ainda pior. Quem foi traído pelo parceiro teme ainda ser traído pelos filhos, que, depois da separação, ainda vão fazer um vínculo com a tal terceira pessoa."
(Lídia Aratangy, na Revista Lola deste mês, p. 55)

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

2 metades inteiras, apaixonadas = 1 casal

“Minh'alma, de sonhar-te anda perdida.
Meus olhos andam cegos de te ver!
Não és sequer razão do meu viver
Pois que tu és já toda a minha vida!

Não vejo nada assim enlouquecida...
Passo no mundo, meu amor, a ler
No mist'rioso livro do teu ser
A mesma história tantas vezes lida!...

'Tudo no mundo é frágil, tudo passa...’
Quando me dizem isto, toda a graça
Duma boca divina fala em mim!
E, olhos postos em ti, digo de rastros:
'Ah! podem voar mundos, morrer astros,
Que tu és como Deus: princípio e fim!...’.”
(Florbela Espanca)

Mas o que me chamou a atenção mesmo foi a complementação feita pelo psicanalista Davy Bogomoletz:

“E, pois que te adoro, cria-me, integra-me
- para que haja uma vida
Também para mim.”

E é preciso dizer mais alguma coisa?!

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Das ondas

Eu não queria sentir essa necessidade
como mil vozes escondidas,
sussurrando: "isso é você..."
Eu luto contra a pressão, o inevitável, em vão...
O sentimento forma-se no horizonte,
como uma onda,
implacável.
Amedrontador.
Avassaladora - eu sei.
...
No momento em que desligo, a alimento.
E o sussurro fica mais alto, até gritar: Sem parar!
É a única voz que consigo ouvir.
A única voz que posso ouvir.
Pertenço a ela, a esse eu sombrio.
Parte de mim, da alma que me habita, é sombra.
Eu a escondo, na maior parte do tempo...
mas quando esse lado emerge e toma o controle, me dirige.
Sinto-me viva.
Viva e mal,
por ter a sensação de estar perdida
por saber que essa parte de mim está errada.
Não luto.
Não luto porque não quero,
não tenho forças,
não consigo.
E toma conta de mim.
É tudo o que eu tenho naquele instante.
Alguém em quem não confio, no controle.
Naquele momento ninguém poderia me amar...
nem mesmo eu...
Ou tudo não passa de uma mentira?
Mas se eu permanecer ouvindo os susssurros por mais tempo?
Não conseguir fazê-los parar?
...
Ainda para.
De alguma forma para.
Acho que nos momentos em que
me sinto conectada a algo mais,
a alguém,
consigo.
Sou arrancada da sombra,
inspiro ar puro novamente,
até que a próxima onda se aproxime...