sábado, 3 de abril de 2010

Odisséia


"Estou fazendo um curso fantástico sobre literatura. Despretensioso, divertido, cheio de informações... E tocante. A cada terça-feira, eu aprendo um pouco mais sobre os livros, a magia das histórias e sobre mim mesma.
A história que é o nosso norte chama-se Odisséia. A obra, junto com a Ilíada, é considerada o começo da Literatura Ocidental. Assim como os Contos de Fadas, as histórias gregas eram contadas oralmente; e um dia, alguém resolveu reuni-las e escrevê-las. Essas histórias contam, em suas linhas e entrelinhas, a cultura e o jeito de ser de um povo. E quem conta a história de um povo, conta a história de uma pessoa, qualquer pessoa... Porque somos feitos da mesma massa, da mesma essência.
A Odisséia é a história de Ulisses (em grego, Ulisses é Odisseu - daí o nome), Rei de Ítaca, que deixou sua terra, sua amantíssima esposa Penélope e seu filho Telêmaco para ir lutar por dez anos na Guerra de Tróia, ao lado de outros reis gregos como Menelau e Agamenon. Lá, Ulisses usou a força das armas e o poder de uma idéia inteligente (um cavalo de madeira) para vencer os exércitos e as densas muralhas de Tróia. Merecidamente, quis voltar para casa. Mas, ao sair das terras troianas, ofendeu o deus do sol, Hélio, que jurou impedi-lo de voltar para Ítaca. Também ficou ofendido Poseidon, o deus dos mares, quando Ulisses atacou um de seus filhos - o ciclope Polifemo - e saiu gabando-se de sua sina de herói invencível. Os dois deuses fizeram de tudo para que Ulisses não retornasse ao seu lar, e assim esse retorno durou mais de vinte anos - vinte longos anos de batalhas, amigos mortos, cansaço, aventuras, desistências, derrotas e vitórias. A Odisséia é a história dessa longa viagem.
Não é à toa que as aventuras do Rei de Ítaca chegaram até nós. Uma obra de arte só é obra de arte se resiste ao teste do Tempo, e continua sendo vista e sentida pelas pessoas, independente de suas crenças, nascenças, tempo histórico ou procedência geográfica. Isso quer dizer que nelas, nessas obras, há algo que diz respeito ao que é ser humano. E quando a alma se comunica com outra alma, não há barreiras de compreensão. O encantamento e reencantamento se faz. Há em histórias como a Odisséia metáforas da vida, que se dão nos mínimos detalhes e entrelinhas.
Ouvi da minha doce e inteligentíssima professora que a maior metáfora da Odisséia é que cada um pode ser o herói de sua própria história. Ler essa história e acompanhar a sofrida e vitoriosa trajetória de Ulisses me fez pensar no que faz de uma pessoa um herói, ou uma heroína. Se há pessoas vitoriosas transitando por aí, também há pessoas derrotadas e cansadas; pessoas que perderam algo, que foram aniquiladas em suas chances de vencer, e nem querem mais isso. Não se trata da obsessão maníaca de vencer por vencer, mas sim de se querer algo, nem que seja um gosto bom de tranquilidade. De tantos guerreiros que saíram das ilhas gregas, de tantas pessoas envolvidas na Guerra de Tróia e na volta de Ulisses para casa, apenas ele chegou a Ítaca e alcançou o seu prêmio, porque algo nele havia de diferente, um brilho especial. Em que forma foi feita um herói, ninguém sabe. Talvez seja um dom, uma benção, o resultado de muito esforço e preparo, uma postura diante do mundo, ou tudo isso junto. Importante é entender que um herói se faz não em um momento ou uma situação, mas por toda uma vida de aprendizagem e retomadas. Ser herói não é nada fácil.
O caminho do herói é a aventura. Para aventurar-se, Ulisses teve que deixar sua casa, sua família, seu amor, seu filho, sua segurança. O caminho da aventura exige renúncia do calmo, do tranquilo, do descanso. Há que se buscar a mudança, o movimento, aquela emoção que sacode a alma. Aventurar-se é se jogar em direção ao desconhecido, sem saber do futuro. Sempre, um caminho sem volta. Talvez, um caminho difícil. Mas, ainda assim, um caminho de glória. O herói que vive em nós, se não está amordaçado e calado, sabe que não adianta esperar e esperar para que a vida aconteça diante de nós. A vida está em algum lugar bem longe, bem perigoso e cheio de paisagens, das mais horrendas as mais belas. E para ver tudo isso, para ter a vida, é preciso buscá-la, com coragem. Essa disposição, essa força pra lutar vem de dentro. E pra dentro ela volta a cada batalha vivida, seja ela vencida ou não. O herói dentro de nós precisa ter vez pra falar, precisa ser vivo e forte.
Nenhum herói colhe só sorrisos em sua trajetória. Dos mais antigos aos mais modernos, eles passam por um duro processo de amadurecimento, de lapidação, que em boa parte dos casos, se dá pela dificuldade, pela dor. Ulisses viu seus companheiros morrerem um a um. Desceu ao Hades (inferno) e teve que olhar a morte. Sentiu saudades de sua esposa dia após dia. Não viu o filho crescer. Por várias vezes, teve que reviver a história de Tróia e todos os horrores que a guerra traz. Enfrentou os deuses irados. E, quando voltou, sozinho, teve que se passar por mendigo para ver sua casa tomada por homens que o traíram de diversas maneiras e destruíram seu patrimônio. Ele sofreu, e muito, como sofremos todos, os que optam por andar ou por parar. Porém, ainda que dolorido, o caminho da aventura sempre traz bons frutos para quem o trilha até o fim. Sempre.
Do passo a passo da Odisséia, várias lições. Os heróis não vencem sempre. Os heróis se cansam, mas não desistem. Os heróis usam de força e inteligência nas devidas proporções. Os heróis têm orgulho de si mesmos. Os heróis confiam em suas armas. Os heróis cometem erros banais quando deixam que a vaidade tome conta deles. Os heróis vão ao fundo da dor e ao pico da alegria e satisfação, e aproveitam ambas as situações. Os heróis ouvem os mais sábios. Os heróis lutam contra o destino, e às vezes conseguem mudá-lo. Os heróis são dispostos. Os heróis reconhecem que o caminho é mais importante que a chegada. E, acima de tudo, os heróis são apaixonados por um ideal que guia a sua própria vida, porque é da força da paixão que vem a força pra chegar ao final e encontrar a paz.
A vida apresenta-se diante de todos nós como um caminho de volta para Ítaca. Nebuloso, incerto, turbulento, longo. Cheia de mares revoltos, períodos de calmaria, aventura, e um desejo, lá no fim, de estar bem, de estar em casa, seguro e tranquilo, com a missão cumprida. Algumas pessoas passam por esse caminho e são tragadas por ele, se deixam vencer pelo desânimo, pela mediocridade, pela corrupção de seus sonhos e ideais. Outras, até tentam, mas acabam por desistir. Mas há alguns heróis. Gente que passa pelo mesmo caminho, e faz a escolha de lutar, incansavelmente, até chegar lá. O que será que há com eles?
Os gregos acreditavam que os heróis eram mortais que tinham sido untados pelos deuses em uma calda especial, que os enchia de bravura, força e coragem. Mas há quem acredite que os heróis são aqueles de espírito forte e luminoso, que escolhem ser assim, que escolhem lapidar-se para enfrentar a dor. E, o mais lindo de tudo, enfrentam. E mesmo quando perdem, acabam ganhando. Os heróis são pessoas especiais, ainda que não sejam famosos como Ulisses ou Aquiles. São vencedores não porque ganham, mas porque escolheram encarar a adversidade ao invés de evitá-la.
Há uma passagem da Odisséia que é de tocante beleza e simbolismo. Ulisses e seus marinheiros passam pela Ilha das Sereias, monstros marinhos que possuíam metade do corpo em forma de mulher e metade em forma de aves de rapina. Seu canto, extremamente belo e misterioso, atraía os marinheiros para o mar, e depois de ficarem loucos, eles atiravam-se ao mar, e acabavam por morrer afogados. Na ilha, ficavam apenas os esqueletos, recobertos por peles ressequidas, e o mar tingido de sangue. Avisado pela bela feiticeira Circe desse perigo, Ulisses amassa com as próprias mãos um pouco de cêra, e entrega aos seus marinheiros para que eles tapem os ouvidos e não se deixem envolver pelo canto. Quanto a ele, pediu que o amarrassem num mastro, bem amarrado, e que não tapassem os seus ouvidos, pois ele queria passar por ali, mas não queria deixar de ouvir o canto tão belo e sedutor. Queria experimentar o perigo para poder saber o que venceu.
Claro, Ulisses teve sorte. Mas não só isso. Ser o herói da própria história é uma escolha e um mérito de cada um. E que bom que é assim."

Não, pessoal, não é meu... não registrei quem era o autor(a), se alguém souber e puder me dizer, agradeço! Só achei que valia postar!  

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