quarta-feira, 2 de novembro de 2011

A Divina Arte de Explicar a Arte

"Não são poucos os que dizem que compreender a arte é algo complexo e, por vezes, confuso e sem sentido. Talvez os que assim pensam têm em mente a arte contemporânea, questionável e polêmica por si mesma, mas certamente não conhecem o que há de mais claro e conciso em termos de apresentação da história da arte em televisão em nossos dias: os documentários produzidos pela BBC de Londres e apresentados por Wendy Beckett.
Beckett é uma estudiosa da história da arte e tornou-se famosa no mundo por meio da série de programas para a televisão que começam a ser veiculados em rede aberta no Brasil por meio, é claro, da rede de televisão educativa, aos domingos. Há algo de muito peculiar em Wendy Beckett: ela não é particularmente bonita (tem dentes pronunciados e usa pesados óculos) e foge a todos os padrões de beleza que uma emissora de televisão comercial no Brasil exigiria, por exemplo, para uma mulher de sua idade que comandasse um programa de televisão; tampouco é uma celebridade cuja fama repentina tenha motivado a BBC a investir em um programa de televisão qualquer que aproveitasse sua imagem carismática. Wendy Beckett foi convidada pelo canal de televisão britânico por conta de seu vasto conhecimento de história da arte, e sua qualidade como apresentadora é que a fez famosa mundo afora. Mas o mais peculiar de tudo isso é, talvez, o traço mais encantador desta mulher incomum: ela é uma freira sul-africana, residente do Reino Unido desde a década de 1970 e apresenta-se em suas aparições televisivas vestindo o tradicional hábito de irmã de caridade carmelita – o que significa dizer, em outras palavras, que ela é o que chamamos de uma freira contemplativa, ou seja, vive enclausurada em seu mosteiro, obtendo permissão para de lá sair apenas por ocasião de seus compromissos seculares, que são cada vez mais raros e que se resumiam, praticamente, à filmagem da série de documentários para a emissora de televisão britânica.
Assistindo-se a um de seus programas, ainda que com a dublagem brasileira (ótima, por sinal) a tirar um pouco do encantamento dos documentários, tem-se o que muitos consideram a mais clara, cristalina, didática explicação dos períodos da história da arte por ela analisados e das obras de arte mais significativas de cada um deles. Mas sua extraordinária habilidade para levar a arte universal ao público leigo é, em verdade, ainda mais fascinante por sua capacidade de explicar a arte em termos maravilhosamente humanos, sem tecnicismos desnecessários, sem pedantismo, sem a limitação de sua mensagem aos supostos conoisseurs de arte. Isso faz com que suas observações nunca sejam enfadonhas ou obscuras, conseguindo o mágico efeito de aprofundar as conexões entre o expectador e a obra de arte analisada de uma forma que, de tão simples, ganha ares de genialidade televisiva. No programa exibido em 02 de abril de 2006, pela TVE gaúcha, irmã Wendy mostrou os motivos pelos quais o barroco floresceu em Roma, a razão de ser do estilo de seus principais pintores e ressaltou a importância de nomes como Rubens e El Greco, que de algum modo surgiram fora do circuito romano das artes da época mas se alinharam com o arcabouço imaginativo daqueles artistas. E tudo isso de uma forma clara e precisa, lançando até mesmo luzes sobre temas periféricos para alguns grandes historiadores da arte – como, por exemplo, as diferenças estéticas da obra de um dos raríssimos exemplos de mulheres pintoras do barroco, Artemisia Gentileschi (1593 – 1652), para as obras de outros seus contemporâneos do sexo masculino (veja foto acima). E, acreditem, não parece haver temas que sejam tabu para a irmã Wendy Beckett.
Fica a impressão de que o claustro, por ela livremente escolhido, fez um bem enorme para a irmã Wendy Beckett, pois a afastou das discussões desnecessárias da academia – não que ela tenha fugido de uma formação acadêmica em história da arte; muito pelo contrário, seu amor pela arte fez com que ela recebesse uma autorização especial de sua superiora para cursar história da arte – e deixou sua mente livre para a clareza impressionante que demonstra em suas aparições televisivas.
Diferentemente de outros religiosos que têm invadido a mídia brasileira – de padres cantores a pastores sambistas -, a irmã Wendy Beckett, avessa a badalações e à mídia, retornou à paz de seu convento e ao convívio com suas irmão carmelitas no auge de sua, digamos, fama internacional. Antes de retirar-se definitivamente da vida secular, e durante o pequeno período de dez anos que durou seu compromisso com a BBC de Londres, Wendy Beckett produziu vinte e sete livros e dezessete documentários sobre história da arte, nos quais visita diversos museus do mundo e explica, in loco, a beleza e a genialidade por trás de algumas das mais grandiosas obras-primas da arte ocidental. Alguns poucos felizardos tiveram, também, a oportunidade de assistir ao vivo algumas de suas conferências em universidades britânicas e norte-americanas; hoje a freira retornou à vida de clausura em seu convento.
Depois de assistir o programa da irmã Wendy Beckett, perguntei-me porque as pessoas parecem procurar sempre o caminho mais difícil para explicar as questões do mundo, sobretudo quando o assunto é a arte. Lá do claustro do Convento de Notre Dame, em Londres, irmã Wendy Beckett, ora pro nobis."
(Disponível em: http://locutorio.blog.com/2006/04/03/a-divina-arte-de-explicar-a-arte/, acesso em 2.11.2011)

Há, no youtube, a quem interessar possa, vários episódios dos excelentes programas,
mas infelizmente apenas em inglês...

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