"Não são poucos os que dizem que compreender a arte é algo
complexo e, por vezes, confuso e sem sentido. Talvez os que assim pensam têm em
mente a arte contemporânea, questionável e polêmica por si mesma, mas certamente
não conhecem o que há de mais claro e conciso em termos de apresentação da
história da arte em televisão em nossos dias: os documentários produzidos pela
BBC de Londres e apresentados por Wendy Beckett.
Beckett é uma estudiosa da história da arte e tornou-se famosa
no mundo por meio da série de programas para a televisão que começam a ser
veiculados em rede aberta no Brasil por meio, é claro, da rede de televisão
educativa, aos domingos. Há algo de muito peculiar em Wendy Beckett: ela não é
particularmente bonita (tem dentes pronunciados e usa pesados óculos) e foge a
todos os padrões de beleza que uma emissora de televisão comercial no Brasil
exigiria, por exemplo, para uma mulher de sua idade que comandasse um programa
de televisão; tampouco é uma celebridade cuja fama repentina tenha motivado a
BBC a investir em um programa de televisão qualquer que aproveitasse sua imagem
carismática. Wendy Beckett foi convidada pelo canal de televisão britânico por
conta de seu vasto conhecimento de história da arte, e sua qualidade como
apresentadora é que a fez famosa mundo afora. Mas o mais peculiar de tudo isso
é, talvez, o traço mais encantador desta mulher incomum: ela é uma freira
sul-africana, residente do Reino Unido desde a década de 1970 e apresenta-se em
suas aparições televisivas vestindo o tradicional hábito de irmã de caridade
carmelita – o que significa dizer, em outras palavras, que ela é o que chamamos
de uma freira contemplativa, ou seja, vive enclausurada em seu mosteiro,
obtendo permissão para de lá sair apenas por ocasião de seus compromissos
seculares, que são cada vez mais raros e que se resumiam, praticamente, à
filmagem da série de documentários para a emissora de televisão britânica.
Assistindo-se a um de seus programas, ainda que com a dublagem
brasileira (ótima, por sinal) a tirar um pouco do encantamento dos
documentários, tem-se o que muitos consideram a mais clara, cristalina, didática
explicação dos períodos da história da arte por ela analisados e das obras de
arte mais significativas de cada um deles. Mas sua extraordinária habilidade
para levar a arte universal ao público leigo é, em verdade, ainda mais
fascinante por sua capacidade de explicar a arte em termos maravilhosamente
humanos, sem tecnicismos desnecessários, sem pedantismo, sem a limitação
de sua mensagem aos supostos conoisseurs de arte. Isso faz com que suas observações nunca sejam enfadonhas ou
obscuras, conseguindo o mágico efeito de aprofundar as conexões entre o
expectador e a obra de arte analisada de uma forma que, de tão simples, ganha
ares de genialidade televisiva. No programa exibido em 02 de abril de 2006, pela
TVE gaúcha, irmã Wendy mostrou os motivos pelos quais o barroco floresceu em
Roma, a razão de ser do estilo de seus principais pintores e ressaltou a
importância de nomes como Rubens e El Greco, que de algum modo surgiram fora do
circuito romano das artes da época mas se alinharam com o arcabouço imaginativo
daqueles artistas. E tudo isso de uma forma clara e precisa, lançando até mesmo
luzes sobre temas periféricos para alguns grandes historiadores da arte – como,
por exemplo, as diferenças estéticas da obra de um dos raríssimos exemplos de
mulheres pintoras do barroco, Artemisia Gentileschi (1593 – 1652), para as obras
de outros seus contemporâneos do sexo masculino (veja foto acima). E, acreditem,
não parece haver temas que sejam tabu para a irmã Wendy Beckett.
Fica a impressão de que o claustro, por ela livremente
escolhido, fez um bem enorme para a irmã Wendy Beckett, pois a afastou das
discussões desnecessárias da academia – não que ela tenha fugido de uma formação
acadêmica em história da arte; muito pelo contrário, seu amor pela arte fez com
que ela recebesse uma autorização especial de sua superiora para cursar história
da arte – e deixou sua mente livre para a clareza impressionante que demonstra
em suas aparições televisivas.
Diferentemente de outros religiosos que têm invadido a mídia
brasileira – de padres cantores a pastores sambistas -, a irmã Wendy Beckett,
avessa a badalações e à mídia, retornou à paz de seu convento e ao convívio com
suas irmão carmelitas no auge de sua, digamos, fama internacional. Antes de
retirar-se definitivamente da vida secular, e durante o pequeno período de dez
anos que durou seu compromisso com a BBC de Londres, Wendy Beckett produziu
vinte e sete livros e dezessete documentários sobre história da arte, nos quais
visita diversos museus do mundo e explica, in loco, a beleza e a
genialidade por trás de algumas das mais grandiosas obras-primas da arte
ocidental. Alguns poucos felizardos tiveram, também, a oportunidade de assistir
ao vivo algumas de suas conferências em universidades britânicas e
norte-americanas; hoje a freira retornou à vida de clausura em seu convento.
Depois de assistir o programa da irmã Wendy Beckett,
perguntei-me porque as pessoas parecem procurar sempre o caminho mais difícil
para explicar as questões do mundo, sobretudo quando o assunto é a arte. Lá do
claustro do Convento de Notre Dame, em Londres, irmã Wendy Beckett, ora pro
nobis."
(Disponível em: http://locutorio.blog.com/2006/04/03/a-divina-arte-de-explicar-a-arte/, acesso em 2.11.2011)
Há, no youtube, a quem interessar possa, vários episódios dos excelentes programas,
mas infelizmente apenas em inglês...
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