"EM ALGUMAS igrejas de Roma, as pessoas que querem se confessar colocam moedas numa máquina e falam de seus pecados. Quando terminam, a máquina lhes impõe a penitência que possibilita expiar suas culpas.
Num hospital das Ilhas Canárias, alguns atendimentos aos pacientes são feitos por robôs, embora se saiba perfeitamente que um doente necessita do cuidado e do contato humano, que pode ser tão importante quanto - ou mais do que - os medicamentos. A lista poderia ser interminável. Todo dia, as máquinas invadem mais territórios humanos. E conseguem separar ou isolar mais as pessoas. Cada um se encápsula em sua pequena galáxia e tenta esquecer o resto.
Há explicações sociológicas bem convincentes para esta universalização da solidão. Mas eu diria que é mais um tema europeu e norte-americano. Um assunto típico dos países ricos. A solidão metafísica que todos sentimos alguma vez e que, inclusive, buscamos e desejamos, de tempos em tempos, é outra coisa, inerente à natureza humana mais profunda.
Falo da solidão que não se deseja. Da solidão doentia, típica da modernidade. Tenho tido a sorte de viajar pela Europa nos últimos 25 anos e me senti mordido ferozmente pela solidão na Suécia e na Alemanha, que, por acaso, são dois dos países mais ricos do mundo.
Ante essa solidão corrosiva a gente se sente indefeso e, então, sai em busca de companhia. E nem sempre se encontra com outra pessoa, porque cada um está encapsulado em sua própria caverna, ocupado em ganhar dinheiro ou seja lá o que for. Então, que se pode fazer? Como escapo da solidão que me inunda em seu silêncio deprimente?
Não quero falar da Suécia, porque em meu romance Animal tropical respondo a essa pergunta. Mas há uma pequena cidade da Saxônia, no sudeste da Alemanha, que visito anualmente no verão. Chama-se Chemnitz e é uma cidade antiqüíssima. Por ali passava a Rota do Sal na Idade Média. Me hospedo na casa de um amigo, pintor e escultor e, na maior parte do tempo, fico sozinho. Ouço música, pinto, vejo filmes pornô e os canais internacionais e revejo vez por outra as inscrições antigas em um lapidarium que fica a dois passos da casa. Também visito à tarde o bar Bukowski e porno-shops. Bebo uma dose de uísque e às vezes olho as fotos de Bukowski nas paredes. Fico entediado. Saio e olho de longe as putas alemãs e polacas que pululam lá fora, em frente às porno-shops. Não poderia me deitar com nenhuma delas, nem que me pagassem muito bem - tenho alma e vocação de dono, jamais de cliente - porque me parecem demasiadamente incolores e insípidas para meu gosto. Depois, continuo caminhando e vou a uma enorme área onde vendem carros usados muito atraentes, com apenas 40 mil quilômetros rodados e preços em torno de US$ 500. Assim passo o dia. Sem falar. Às vezes, de noite, encontro meu amigo em casa e conversamos um pouquinho. Bebemos vinho, fumamos tabaco cubano, ouvimos salsa cubana, recordamos as mulatas cubanas e sofremos saudade de Cuba. ''Sou alemão de nascimento, italiano pelo sangue paterno e cubano de coração'', diz meu amigo.
Isso é tudo. Resisto um mês ou pouco mais a essa monotonia e me parece um ano. Às vezes consigo afinal vender alguns quadros e em seguida regresso à pequena casa.
Na Suécia, na Noruega, tem sido pior ainda esta sensação de que sou um átomo absolutamente solitário vagando na atmosfera do planeta, flutuando no ar."
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