quarta-feira, 9 de junho de 2010

Lençol

"Não há descrição para o que deixa um gosto contínuo de satisfação e insaciedade, nada e de tudo, de medo e desejoJá não troco o lençol, mantenho o mesmo. Ele cheira muito mais que sexo, do que suor, perfume, hidratante, bons fluidos ou porra qualquer. Ele exala uma fragrância difusa. Um espectro de sensações que vão da penetração mais crua àquela ternura que mareja as pálpebras, quando você diminui a grosseria do vaivém como se pudesse interferir na translação do planeta, o deixando em câmera lenta.
Sabe? Você reduz a marcha erótica até congelar cada pedacinho atômico daquelas duas auras amareladas puxando pro dourado, ali engravatadas, fundidas, abertas, mordendo o lábio inferior pra não perder o momento, o tesão, os sentidos ou, decerto, pra não ficar mal acostumado com a ausência de dor, porque é de dor que são feitos todos instantes que não este.
Sangue, vinho, saliva ou chocolate. Não importam as manchas. Elas fofocam o acontecido, na incompetência das palavras. Todo vocábulo, frase, verso, letra, vírgula, prosa ou parágrafo, todos calam diante da mistura densa e extraordinária de alegria liquefeita com prazer. Não há descrição para uma coisa que deixa um gosto contínuo de satisfação e insaciedade, nada e de tudo, de nunca e de sempre, de aventura e segurança, medo e desejo, azul e vermelho, putaria e afeto.
Eu não substituo o lençol pra brindar a volta do apetite. O pau que fica duro sem requerer concentração tântrica. O retorno do gozo molhado e sem fim, que transcende a ejaculação agora tão indesejável. Eu deixo o mesmo lençol alvo pra sepultar épocas de gozo seco, obrigatório e dolorido. Pra matar de uma vez a ejaculação com toda pinta de infecção urinária, de toque de recolher, da ânsia por rebobinar tudo que penei pra chegar até ali, porque não há pena maior que jorrar duro, expelir sinos e alarmes e beijos na testa e chavões "cuide de você" ou "fica bem".
Não me deito mais aos poucos, tateando cada superfície do meu corpo fervendo ausência na cama frígida, primeiro a mão, a outra mão, os joelhos, de mansinho, reumático, arrastado, sempre torcendo pra não dar de cara com uma marca antiga no colchão que faça lembrar o que, deus, outrora não conseguia esquecer. Hoje eu deito no pulo, em abraços residenciais, no aconchego do colchão que arde brasa, requenta o calor que ficou cozinhando na cama desde a última manhã.
Nada é mais nojento que dormir no centro da cama, buscando o centro de um mundo, com o lençol limpo de tanto gozar pouco, contando gotas. Nada é tão revigorante que ceder o espaço, deitar pro lado que caiu, se aquecer em coxas bambas com o suor frívolo sobre a pele quente, com o lençol sujo de tanto gozar muito, mas não tudo que ainda há pra se gozar." (Gabito Nunes)

Me fez lembrar de ti...

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