quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

A ternura - por Rubem Alves


Sentir ternura é não sentir as dores do amor nem a ardência sexual da paixão. Ela flerta entre um e outro, mas possui uma pureza singular
Soeren Kierkegaard definiu a pureza de coração como “desejar uma só coisa”. Puro é aquilo em que não há misturas; é uma coisa só, um único desejo. Assim é a paixão: pura. Porque ela se alimenta de uma coisa só: a imagem da pessoa amada.
Não se trata de uma imagem mais bonita que as outras. É uma única imagem que apaga todas as outras. O apaixonado só pensa na pessoa amada. Em todos os momentos, sempre.. Os assuntos que fazem as conversas do cotidiano não o interessam.
Camões, no episódio de Inês de Castro, escreveu que ela caminhava “dizendo aos campos e às ervinhas o nome que no peito escrito tinhas...”. Se não havia ouvidos humanos a quem pudesse dizer o nome que tinha gravado no peito, que as árvores, a relva e as pedras fossem depositários do seu segredo.
[...]
O amor começa quando colocamos uma metáfora poética no rosto da mulher amada. A paixão é uma experiência estética. Está ligada à contemplação da beleza. A mulher pela qual se está apaixonado é bela. É o olhar apaixonado que a torna bela. Porque não vemos o que vemos; vemos o que somos. Uma mulher é bela quando nos vemos belos ao olhar nos seus olhos. Quem, ao olhar para uma mulher, pensa em sexo não é um apaixonado.
O apaixonado sorri ao contemplar sua amada dormindo, sem tocá-la. É um momento de ternura. Há um desejo de acariciá-la, mas a mão se contém. Nenhum movimento seu deverá interromper a beleza da cena. Nessa cena os impulsos sexuais estão proibidos.
O sexo dos adolescentes e jovens se parece com um furúnculo inchado; túrgido, vermelho, dolorido que busca livrar-se do incômodo. Ele nem precisa de um objeto que o excite. Ele se excita por si mesmo. O que se busca não é a experiência amorosa; é rasgar o furúnculo para que o pus saia trazendo alívio. E quando o orgasmo acontece numa mistura de dor e prazer, o furúnculo se esvazia e o corpo fica em paz. Pode até ser que nesse momento o parceiro se esqueça da mulher ao seu lado, vire para o outro lado e durma.
Era o sexo que Tomas, personagem de A insustentável leveza do ser (Milan Kundera), fazia com suas namoradas. Tomas não sentia ternura por suas amantes. Ele as usava. Não as amava. Mas uma delas protestava: “Não procuro o prazer, procuro a alegria...” Mas onde mora a alegria? Mora no rosto da mulher amada, nos seus olhos que dizem: “Como é bom que você existe...”

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Mostre a sua!