segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Neruda


Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Escrever, por exemplo “A noite está estrelada
E tiritam, azuis, os astros à distância.”
O vento desta noite gira no céu e canta.

Posso escrever os versos mais tristes esta noite
Eu a quis e por vezes ela também me quis.
Em noites como esta apertei-a em meus braços
Beijei-a tantas vezes sob o céu infinito.

Ela me quis e às vezes eu também a queria.
Como não ter amado seus grandes olhos fixos?
Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Pensar que não a tenho. Sentir que já a perdi.

Ouvir a noite imensa mais profunda sem ela.
E cai o verso na alma como o orvalho no trigo.
Que importa se não pôde o meu amor guardá-la?
A noite está estrelada e ela não está comigo.
Isso é tudo.

À distância alguém canta. À distância.
Minha alma se exaspera por havê-la perdido.
Para tê-la mais perto meu olhar a procura.
Meu coração procura-a, ela não está comigo.

A mesma noite faz brancas as mesmas árvores.
Já não somos os mesmos que antes tínhamos sido.
Já não a quero, é certo, porém quanto a queria!
A minha voz no vento ia tocar-lhe o ouvido.

De outro. Será de outro. Como antes de meus beijos.
Sua voz, seu corpo claro, seus olhos o olvido.
Porque em noites como esta a apertei nos meus braços
minha alma se exaspera por havê-la perdido.

Mesmo que seja a última esta dor que me causa
e estes versos os últimos que eu lhe tenha escrito.

Um comentário:

  1. Neruda, nesta hora, é um punhal afiado, Lúcia! Fica com Fernando Pessoa:

    Tudo o que sonho ou passo,

    O que me falha ou finda,

    É como que um terraço

    Sobre outra coisa ainda

    . Essa coisa é que é linda.

    Fernando Alves

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