quarta-feira, 20 de julho de 2011

Um pouco mais da minha virtude preferida!

"A doçura é uma virtude feminina. É por isso, talvez, que ela agrada, sobretudo, nos homens.
Poderão objetar-me que as virtudes não têm sexo, o que é verdade. Mas isso não nos dispensa de o ter, e o sexo marca todos os nossos gestos, todos os nossos sentimentos e até as nossas virtudes. A virilidade, nada obstante o que a etimologia possa sugerir, não é uma virtude, nem o princípio de nenhuma. Mas há uma maneira mais ou menos viril, ou mais ou menos feminina, de ser virtuoso. A coragem de um homem não é igual a de uma mulher, nem sua generosidade, nem seu amor. Veja-se Simone Weil ou Etty Hillesum: nenhum homem nunca escreverá, nem viverá, nem amará como elas… Apenas a verdade é absolutamente universal, logo assexuada. Mas a verdade não tem moral, nem sentimentos, nem vontade… Como poderia ser virtuosa? Só há virtude do desejo, e que desejo não é sexuado? “Há um pouco de testículo”, dizia Diderot, “no fundo de nossos raciocínios mais sublimes e de nossa ternura mais pura.” Testículo dizia-se então também para os ovários; mas isso não anula a diferença entre um e outro… Se só há valor para o desejo, como creio, e por ele, é normal que todos os nossos valores sejam sexuados. Não, claro, no sentido de que cada um deles seria reservado a um dos dois sexos, queira Deus que não, mas antes no sentido de que cada indivíduo terá, em função do que é, homem ou mulher, esta ou aquela maneira, masculina ou feminina (e o sexo biológico não basta para tanto), de vivê-los ou carecer deles… Que desastre, nota Todorov, “se todo o mundo se alinhasse aos valores masculinos”! Seria o triunfo da guerra, ainda que fosse justa, e das idéias, ainda que fossem generosas. Faltaria o essencial, que é o amor (ninguém me tirará da cabeça que o amor, tanto para o indivíduo como para a espécie, começa pela mãe), que é a vida e que é a doçura. Não me venham objetar, por piedade, que as mulheres também têm idéias: já o percebi. Mas acho que percebi também que elas com freqüência se deixam enganar menos que os homens pelas idéias, o que, é claro, depõe em favor das mulheres. Poucas mulheres, segundo creio, ter-se-iam disposto a escrever a Crítica da razão pura [de Kant] ou a grande Lógica de Hegel, por motivos que, parece-me, prendem-se ao que torna esses livros, apesar de geniais, tão pesados e aborrecidos: eles supõem uma seriedade intelectual, uma fé nas idéias, uma idolatria do conceito, que um pouco de feminilidade torna improváveis, mesmo num homem, e quase risíveis, não fossem tão mortíferas. O que há de mais pobre que uma abstração? O que há de mais morto e mais ridículo do que levá-la totalmente a sério? [...]"

(em Pequeno Tratado das Grandes Virtudes, p. 203)

Um comentário:

  1. Amiga Luiza, menina adepta das grandes leituras.
    Um abraço fraterno. Tenha um bom dia.

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