terça-feira, 17 de agosto de 2010

Servidão

“É certamente por isso que o tirano nunca é amado, nem ama: a amizade é um nome sagrado, é uma coisa santa; ela nunca se entrega senão entre pessoas de bem e só se deixa apanhar por muita estima; se mantém não tanto através de benefícios como através de uma vida boa; o que torna um amigo seguro do outro é o conhecimento que tem de sua integridade; as garantias que tem são sua bondade natural, a fé e a constância. Não pode haver amizade onde está a crueldade, onde está a deslealdade, onde está a injustiça; entre os maus, quando se juntam, há uma conspiração, não uma companhia; eles não se entre-amam, mas se entre-temem; não são amigos, mas cúmplices.
Ora, mesmo quando isso não impedisse, ainda seria difícil encontrar um amor seguro em um tirano, pois, estando acima de todos e não tendo companheiro, já está além dos limites de amizade, cuja verdadeira presa é a igualdade, que jamais quer claudicar, e caminha sempre igual. Eis porque há entre os ladrões (dizem) alguma fé na partilha do roubo: porque são pares e companheiros; e se não se amam entre si, ao menos se temem e não querem tornar menor a sua força desunindo-se. Mas os que são favoritos do tirano nunca podem ter certeza alguma disso, posto que aprendeu com eles mesmos que tudo pode e nada há, direito ou dever, que o obrigue, no arrogo de fazer sua vontade contar como razão, e de não ter companheiro algum mas de ser de todos senhor. Não é, portanto, uma lástima que, vendo tantos exemplos notórios, vendo o perigo tão presente, ninguém queira aprender à custa de outrem e que tanta gente de tão bom grado se aproxime dos tiranos? Que não haja um só que tenha a ponderação e a coragem de lhes dizer o que diz a raposa ao leão que fingia-se de doente, como sustenta o conto: de bom grado iria te ver em tua cova; vejo muitas pegadas de bichos que vão até a ti; mas não vejo uma só que volte para trás!”
(Antoine de La Boetie em Discurso da Servidão Voluntária).

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