quinta-feira, 3 de junho de 2010

Desejo mudo


Apesar de decidido, ele permanecia triste.
Ela não compreendia o porquê, diante de tanta convicção.
No início, confessaria que não acreditou, que o desejo de tão mudo e controlado, não permitiria que os corpos se expressassem adequadamente para despertar aquele arrebatamento de que necessitava e tudo não passaria de uma aventura... Enganou-se. O menino tinha virado homem e muito ousado para determinadas coisas. De tímido e contido não havia restado nada, a não ser quando decidia se esconder dela. E não se sentiu invadida, nem pressionada, muito menos irritada com ele... Foi perfeito.
Na volta, percebeu que o esperava com aquela ansiedade gostosa... tinha se produzido pra ele e adorava quando fazia isso, vestia a personagem, sentia-se poderosa, no controle... mas só até que o deixasse assumir. Ocorre que durante o dia não estava mais completamente a disposição como da vez anterior... o que também não impediu que fosse bom e curtido como no primeiro encontro.
Na ida, queria muito percebê-lo em seu "habitat"... passearam, se divertiram, se amaram. Tomaram decisões e se expuseram com uma confiança e cumplicidade que nunca havia sentido antes com outro homem. Se entregaram aos desejos mais secretos, com a segurança de que o que sentiam um pelo outro permitia. E em meio a tantas mãos, tantas bocas, tantos cheiros, sempre o reconheceria! Era instintivo, ele não compreendia. Mesmo assim, sentia-se protegida.
O que os unia se tornou ainda mais forte e ela sentiu medo pela primeira vez. Tinha plena consciência de que embora fosse livre e se permitisse muito, em alguns momentos da vida não havia conseguido alçar vôo... como também tinha de que ele, sendo o oposto disso, de fato não conseguiria.
Precisava retomar o controle.
Ocorre que algumas mulheres sentem uma ansiedade infernal, uma urgência alucinante... no geral são mulheres inquietas... que lutam, não se conformam, são inteligentes, independentes, combativas, com a libido a mil... e que têm consciência de que as respostas ainda trazem consigo novos questionamentos... esses 'furacões' geralmente perturbam os homens... assim, mesmo sem querer, o perturbou...
E quando finalmente ele concordou em se verem novamente, pelo ocorrido no dia anterior ela quis recuar, evitar o iminente desfecho. Sabia que havia muita coisa em jogo e que não se briga contra dez anos e toda uma cidade, com suas pessoas e costumes. Querendo se certificar de que o encontro ainda era desejado por ele, embora tivesse ouvido um 'sim', sabia que naquele momento não podia lhe exigir certeza.
Tomou coragem e foi, apesar de todos os percalços, tendo se perguntado por diversas vezes se o universo não estava querendo lhe dizer alguma coisa. Tinha certeza que sim. 
E lá, tentou desfrutar de cada espaço, de cada momento, de cada toque. A aventura havia sido ainda melhor... e ela o acompanharia sempre... todas as vezes... incansável.
Mas já sabia que naqueles dias ele já não estava mais completamente ali.
Como também tem certeza de que agora não está totalmente lá.
A paixão, o carinho, o amor, a liberdade, a cumplicidade, a curiosidade, a ousadia, o desejo, são fortes o suficiente para nos fazer repensar uma vida inteira.
Ela já havia passado por isso e fazia ideia do que se passava, nesse momento, no peito onde tanto gostava de se recostar.
De uma certa maneira tinham conseguido abrir um oásis em suas vidas. E era bom. Perfeito.
Adorava tê-lo em casa... e sempre quis ficar perto, trazê-lo pra perto, embora nunca tenham feito planos para tanto.
Será que a decisão dele de fazer parar tinha sido acertada? Por que não poderiam se permitir por mais algum tempo? Ela já havia feito isso uma vez e até hoje se arrependia de não ter largado tudo e ido... se permit-ido...
Mas ele, com aquele jeito calado, embora dissesse ser capaz de falar a ela as coisas mais duras, ainda assim tinha dificuldade em se abrir e expressar o que realmente sentia... e logo com ela, que sempre fora tão compreensiva... que havia lhe contado tantas coisas... explicado tantas outras... revelado as verdades que agora sustentava. Por isso apenas dias depois conseguiu lhe perguntar se seria possível amar duas pessoas ao mesmo tempo... mesmo depois de tê-la dispensado.
E diante do dito e do não dito, já sentindo saudades dele, havia decidido se afastar... não pretendia mais ir ao seu encontro...  se calaria... o deixaria em paz... sozinho ou acompanhado de suas próprias inquietações... ela já as tinha em quantidade suficiente.

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