segunda-feira, 3 de maio de 2010

Fica bem


"As relações são postas na balança quando o sentimento não pesa mais. Não me peça pra ficar, não pergunte se tem voltaPrepare-se para me odiar para o resto de seus dias. Foram noites e noites inquietas, brigas opulentas provocadas de propósito, acusações infantis sobre defeitos que você não tem e um piriri desgraçado de nervoso. Mas chega a hora que se queixar apenas não basta. Eu não te amo mais. Pronto, é isso.
De todos os nossos erros, na estrada longa, sinuosa e esburacada que liga nossa história do começo até aqui, tenho certeza que estou evitando o maior deles, que é morar junto de você, como programado, como sonhado. As coisas mudam, os sentimentos subvertem. Não vou dizer que nossa relação é uma mentira, mas também esquecemos de dizer a verdade. E a minha, é que há tempos venho me sentindo miserável.
Eu sei, eu sei. Toda paixão tem seu fim e resta sempre o afeto, o respeito, o companheirismo. Mas se isso segura os laços, sinto dizer que também já não há, minha conduta longe de você atesta isso. Deus sabe o quanto seus olhos misturando decepção, nojo e ódio me cortam. Admiro sua força para engolir lágrima por lágrima como se essa cena não fosse interferir eternamente em cada prefácio de amor futuro.
Mas vamos encarar os fatos. Há algo errado em dormir na mesma cama e passar quarenta dias sem uma transa sequer, nem que fosse para dar uma satisfação ao mofo dos nossos olhos, da nossa alma, da nossa pélvis. Meu beijo é seu por direito, por merecimento, por comodismo, por vício, por medo de enxergar o fim como um recomeço. Qualquer coisa que não amor. E isso não é vida.
Seria tripudiar sobre os seus frangalhos pedir que sejamos amigos, o que pela sua fisionomia, será impossível acontecer. E eu aceito isso. Mas eu não aguento mais. Não suporto mais abraçá-la sem pensar no tanto de coisas e pessoas que me esperam há sei eu quanto tempo. Não suporto mais levar os dias cinzas ou ensolarados com um sorriso lépido, amarelo e queimado na direção de você e sua família e seus amigos.
Esses últimos catorze meses de angústia e frustração foram sustentados por uma frase do Nietzsche, que diz que em tempo de paz o homem belicoso ataca a si próprio. Mas se isso é a tão buscada paz, porque o silêncio ensurdece? Por que a gente troca palavras atrozes por cada louça que se parte? Por que a gente não dorme mais com a bunda pra janela? Por que a gente cala a boca quando deveria verbalizar?
Eu quero ser feliz sem fazer todo esforço do mundo pra sentir uma pontinha de orgulho por estar aqui. Quero caminhar sem sentir um elefante embriagado se apoiando em minhas costas. Quero ser feliz sem querer ser. Não sei se é possível, mas é justamente por não saber que estou deixando você. Eu quero não saber.
Eu poderia sim pôr tudo na balança, nossas viagens, nossos álbuns de fotografia, o convívio familiar, nosso aniversário que se avizinha, o guardarroupa que recém adquirimos juntos em doze prestações de lembranças, mágoas e sofrimento. Mas as relações são postas na balança quando o sentimento não pesa mais.
Se eu tiver o direito de fazer um último pedido, não chore na minha frente, nem peça pra eu ficar, não pergunte se tem volta. Nada vai me livrar de seguir. Se trazer isso à tona de forma tão dolorida é o único jeito de salvar nossa alegria de viver, eu arrisco esse relacionamento.
A vida precisa ir adiante, mesmo sabendo que estaremos modificados para sempre depois desse estrago. Espero que um dia você seja capaz de me perdoar. Não precisa ser agora. Desculpa. Mesmo. Fica bem." (Gabito Nunes).

Disponível em: http://www.carascomoeu.com.br/

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