"Anos depois, Clarice escreveu um texto curto que à primeira vista parece refletir a preocupação de uma brasileira de classe média com os seus concidadãos menos afortunados. Mas é provavelmente um fragmento de autobiografia:
'Não posso. Não posso pensar na cena que visualizei e que é real. O filho está de noite com dor de fome e diz pra mãe: estou com fome, mamãe. Ela responde com doçura: dorme. Ele diz: mas estou com fome. Ela insiste: durma. Ele diz: não posso, estou com fome. Ela repete exasperada: durma. Ele insiste. Ela grita com dor: durma, seu chato! Os dois ficam em silêncio no escuro, imóveis. Será que ele está domindo? - pensa ela toda acordada. E ele está amedrontado demais para se queixar. Na noite negra os dois estão despertos. Até que, de dor e cansaço, ambos cochilam, no ninho da resignação. E eu não aguento resignação. Ah, como devoro com fome e prazer a revolta'."
(Clarice, de Benjamin Moser, p. 53).
P.S.: Andréa, estou amando a leitura, e tu?!
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