sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Felicidade não tem fim, tristeza sim - por Fabrício Carpinejar (claro!)

"Quando não era pai, o riso pedia um motivo. Uma função. Uma explicação. A piada tinha que ser muito engraçada. Hoje a vida é mais engraçada do que a piada
Meus filhos nunca perguntam: por que está triste? Eles me fazem feliz antes de perguntar. Só passei a rir à toa depois da paternidade. Rir por nada mesmo. Rir porque vejo meu filho desenhando uma casa com pernas ou reparo no modo como ele segura o garfo, igual à avó. Ou observando a concentração da filha diante da televisão ou seu bocejo esquecendo a proteção das mãos. Quando não era pai, o riso pedia um motivo. Uma função. Uma explicação. A piada tinha que ser muito engraçada. Hoje a vida é mais engraçada do que a piada. Ao largar a pasta do trabalho, há um alívio de que serei abraçado pelos filhos até ser derrubado. Levantarei as pernas para cima, desistindo das reservas. Meu riso dá cambalhotas sem colchão.
Eu recebo diariamente pilhas de livros. Poderia confessar que felicidade é permitir que o Vicente abra os pacotes e me conte os títulos. Ele fica alucinado em ajudar. Mas os livros foram se espalhando, tomando os corredores. A esposa me advertia do avanço do escritório pelas peças. Tomei jeito e resolvi pedir novas estantes. Garantiria folga momentânea do problema e o filhote seguiria rasgando os envelopes.
O marceneiro chegou, amaciado de sotaque espanhol. Expliquei o que desejava e fui para minhas atividades. Não cessava de falar enquanto encaixava os parafusos.
– Em que você trabalha?
– Sou escritor e professor.
– Professor de onde?
– Da Unisinos...
– Ah, a Unisinos, minha filha estuda lá, no curso de Letras, ela é aplicada.
(Neste momento, vi que ele apenas encontrava um motivo para falar da filha. Achou o sinal do petróleo e não cessaria sua perfuração.)
– Que bom, parabéns...
– Não, parabéns para ela, que não puxou o pai e se dedicou a estudar. Quando olho para minha filha, me sinto realizado. Tudo o que passei na vida não teve borracha.
– Não teve borracha?
– Pai não apaga nada que viveu depois dos filhos. Não põe fora nem um desenho...
Eu freei uma gargalhada desavisada.
Na última semana, fui ao lançamento de um livro de alunos da Unisinos. Quando me escorei para pedir um autógrafo, Teresa, uma das autoras, me encarou:
– Põe esse livro na sua estante.
– Sim, vou colocar.
– Na estante de meu pai.
– Como?
– Ele fez sua biblioteca. Tenho orgulho dele. Me ensinou a escrever e nem sabe.
O lápis que ele usava na orelha para medir a altura das paredes, sua filha pegou para escrever e alargar as palavras. Felicidade é quando o filho coincide com o pai e a mãe – e nenhum deles precisa ter consciência disso."
(Fabrício Carpinejar - claro!)

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