quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Carpinejar


"Figo. Assim que eu vejo o amor. Como um figo. Assim que vejo a mulher. Como um figo.
O figo não tem o caroço apartado do sumo como a maioria das frutas.
Pode-se engolir a semente sem perceber.
A semente é também polpa.
Não existe o medo de mordê-lo e prender os dentes.
O figo é servido para a língua, para o beijo.
Figo é para ser lambido, não mastigado.
Com a pressão do céu da boca, ele se desmancha.

Figo não desperdiça o suco. É úmido, como um pão quente. Ele hidrata sem escorrer. 
Goteja pássaros.
Ele não apodrece, amadurece.
Não me lembro de figo que fique sozinho no chão. O sol o transforma imediatamente em terra. Ele somente deita aos lábios, ninguém mais. No solo, cai de pé, pronto a germinar. O figo tem os galhos e as raízes em si.
É o coração da romã.
Vidraça para o vento desenhar.
Como a mulher, não há alas separando os quartos, paredes separando as sombras, gomos separando o gosto.
O figo é inteiro, quase um fogo. A alma é corpo, o corpo é alma, ambos se defendem e se revezam. Suas cores são casadas. Por fora, um verde com azul tal rio manso. Dentro, o vermelho se abre  generoso ao amarelo.
A casca é um vestido fino, um tecido suave, que deveria ser roçado com o rosto. Não poderia ser
chamada de casca, mas de pele. A casca já é parte interna da fruta. O começo tem a lentidão doce do fim. A pele é saborosa como seu suco. Não se usa faca para desenrolar a casca, e sim a unha. Um  pouco decuidado e ela se despe.
Figo não é destinado a pressa,aos afoitos.
É fio de riacho a se recolher da pedracom a concha das mãos.
É passar da esperança reparando na beleza.
Figo não é o pecado, é o pecador.
Fruta para ser apanhada direto da árvore, posta junto da camisa.
Não mancha, lava o dia.
Nunca é tarde para o figo.
Nele, os tempos estão sobrepostos.
Perfume da manhã quando a manhã ainda é noite.
Não atende a passatempos e urgências.
Exige dedicação.
Quem se aproxima do figo, não volta cedo.
O figo oferece a intimidade da carne enquanto pólen.
O figo são os pêlos loiros dos telhados.
Como o amor, é macio. Como a mulher, é sensível.
Completa o ouvido do ramo com a independência de um brinco. Não se dispersa a exemplo do colar. O figo é o chapéu, não a esmola.
Tem pescoço de um violino. O caule o mantém aceso entre os dois mundos.
O figo não mente seu desejo, mente sua idade.
Em nenhum momento, se arrepende de ter sido."

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